Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2004       Página Inicial (Índice)    


13/02/2004
Olhando nas estrelas

Um dos meus primeiros interesses quando jovem era na astronomia. Morei na Inglaterra até os 23 anos, e aprendi a conhecer como amigas as estrelas e constelações visíveis à noite nas altas latitudes do hemisfério norte, com certas delas visíveis o ano todo, e outras fazendo revezamento no céu ao longo do ano, conforme a passagem dos meses. Ainda havia outras, as estrelas da região polar sul, que nunca apareciam por lá, permanecendo sempre abaixo do horizonte. Meu guia para acompanhar estas coisas era um livro popular, "Guide to the Stars", de Hector MacPherson de Edinburgo, publicado em 1953, do qual ainda tenho um exemplar. Meu equipamento era o binóculo alemão do meu pai, um troféu de guerra "liberado" por ele durante seu serviço militar na Segunda Guerra Mundial. Com o passar do tempo tive oportunidade de optar por uma atividade profissional na astronomia, ou nos campos aliados de astrofísica e cosmologia, mas escolhi outras (ou elas me escolheram) e mantive astronomia apenas como "hobby" muito pouco praticado. Minha vinda para Brasil me abriu novas oportunidades de conhecer as misteriosas estrelas e constelações do sul, especialmente a constelação do Cruzeiro do Sul e as maiores glórias da Via Láctica, aquela invisível e essas difíceis de serem vistas nas noites do verão inglês. E foi nas minhas viagens depois de sair da Inglaterra que pude ver finalmente o espetáculo do eclipse total do sol, uma vez nos EUA e outra nas cataratas do Iguaçu há quase dez anos.

A astronomia evoluiu muito durante estes últimos cinqüenta anos. Cada vez mais se aumenta a capacidade dos instrumentos disponíveis para enxergar fontes de luz e de outra radiação nas profundezas do espaço. O objetivo do astrônomo é fornecer dados sobre o universo, que possam ser usados para explicá-lo, um ramo de ciência chamado cosmologia. A busca destes dados às vezes causa surpresas, com a descoberta de nascedouros de estrelas e evidências das suas mortes violentas. Observação é fundamental para começar a entender qualquer fenômeno natural. Na astronomia a potência dos telescópios refletores é medida pelo tamanho do seu espelho, pois, quanto maior seu diâmetro, maior a quantidade de luz que possa ser captada. Na minha juventude, o maior telescópio óptico era no Monte Palomar na Califórnia, e tinha um espelho de duzentos polegadas (aproximadamente cinco metros) de diâmetro (v. www.astro.caltech.edu/observatories/palomar/), e o segundo (no Monte Wilson, também na Califórnia) tinha a metade deste diâmetro (v. www.mtwilson.edu/). Hoje esses telescópios já foram ultrapassados por vários outros, inclusive em outras partes do mundo, especialmente nas montanhas do Chile (v. www.seds.org/billa/bigeyes.html). Estes telescópios no hemisfério sul foram construídos em grande parte para que astrônomos do hemisfério norte pudessem observar justamente os céus do sul que não podem enxergar das suas terras.

Um outro ramo da astronomia que começou depois da Segunda Guerra Mundial, junto com as revoluções em microeletrônica e computadores, foi da radioastronomia, onde o céu é observado através de ondas de rádio ao invés de luz visível. A prática das observações astronômicas por rádio é bastante diversa das observações ópticas. Nestas, tradicionalmente, se tirava fotografias através dos telescópios com câmaras tradicionais. Naquelas os sinais de rádio eram processados eletronicamente, e os resultados armazenados em computadores e visualizados em monitores de vídeo. Adicionalmente, os radiotelescópios podem ser usados dia e noite, e não são prejudicados por céus nublados. Como o tempo, ambos tipos de telescópios evoluíram para práticas mais sofisticadas. Os radiotelescópios aumentaram sua resolução através de uso de múltiplas antenas, às vezes localizadas em países ou continentes diferentes. Para isto funcionar, precisava de coordenação entre as antenas, feita por uso de computadores, ligadas em rede. No Brasil o Instituto de Estudos Espaciais (INPE) participa de cooperação deste tipo através do Rádio-Observatório Espacial do Nordeste - ROEN (rapadura.roen.inpe.br/frames/roen.htm).

Os observatórios ópticas também passaram a usar os computadores, substituindo as câmaras tradicionais pelo equivalente de câmaras digitais. Ao invés do astrônomo ter que estar fisicamente presente junto ao seu telescópio, não poucas vezes em lugares frios no topo de uma montanha no meio do inverno, ele agora pode acompanhar sua sessão de observação do conforto da sala de operação do observatório, cheio de computadores e seus monitores. Com melhorias na comunicação remota, sequer seria estritamente necessária a presença física do observador - a princípio, ele poderia controlar o telescópio e a coleta de imagens fotográficas a partir da sua instituição base, possivelmente do outro lado do mundo.

Isto já ocorre naturalmente com a telescópio óptico mais caro já montado - o Telescópio Espacial Hubble (http://www.stsci.edu/), em órbita em torno da Terra há vários anos, que tem sobre os telescópios terrestres a enorme vantagem de não estar sujeito às desvantagens de somente enxergar as estrelas através da atmosfera. O Hubble pode ser usado a qualquer hora do dia, porque, sem atmosfera, não haveria noite e dia no espaço. E o Hubble é comandado remotamente, pois não tem ninguém a bordo dele. (Isto também traz desvantagens, como pudemos ver recentemente quando foi decretado o fim precoce do Hubble, quando a NASA anunciou que não iria mais enviar missões do ônibus espacial para fazer a manutenção deste telescópio, essencial para mantê-lo operacional.)

O grande sucesso do Hubble, através das suas contribuições pioneiras para o estudo dos céus, certamente inspiram a comunidade de astronomia a procurar tornar melhores seus trabalhos em terra, notadamente através de aumento da conveniência de uso dos seus equipamentos, além de uso mais efetivo dos seus pesquisadores. Para dar um exemplo doméstico, o Brasil é o principal sócio de um consórcio que está construindo um novo telescópio no Chile, chamado Southern Astrophysical Research - SOAR , com telescópio de 4,2 metros, que deverá entrar em funcionamento (receberá a "primeira luz") em 2004 (http://www.lna.br/soar/soar.html). É a intenção dos astrônomos brasileiros poderem "assistir" às sessões de observação remotamente da USP, e de outros centros nacionais, através da montagem de salas de acompanhamento remoto, onde serão replicados os equipamentos que permitirão a visualização das imagens captadas, e, possivelmente, os controles dos equipamentos. Para isto funcionar a contento há um papel importante das redes internacionais de comunicação usadas pela comunidade de pesquisa e educação, em especial a nova rede CLARA, que unirá a partir de maio de 2004 as redes nacionais do Chile (REUNA) e do Brasil (RNP) (v. a coluna de 30 de dezembro de 2003). Esta mesma tecnologia de acompanhamento remoto das observações deverá também ser estendido para observatórios em território nacional, especialmente do Pico dos Dias, MG, pertencente ao Laboratório Nacional de Astrofísica - LNA (http://www.lna.br/).

Esta fusão da astronomia com as redes de comunicação a traz mais próximo dos leigos, pois as imagens detalhadas do céu são cada dia mais disponíveis através da Rede, ao alcance de todos os usuários (v. , por exemplo, hubblesite.org/newscenter/). Para enxergar as estrelas não permanecemos mais limitados pela acuidade dos nossos pobres olhos, mesmo auxiliados por velhos binóculos.