Michael Stanton

WirelessBrasil

Ano 2004       Página Inicial (Índice)    


17/05/2004
Desagregação das redes de telefonia local

Logo em seguida ao malogro das operadoras de telefonia fixa na sua tentativa de eliminar do mercado seu concorrente Embratel (v. coluna de 3 de maio), a Anatel finalmente anunciou na semana passada a adoção de novas regras que obrigam essas empresas a abrir para todos seus concorrentes o acesso a seus redes de acesso ao assinante final (v. www.estadao.com.br/tecnologia/internet/2004/mai/13/208.htm).

As novas regras de desagregação (em inglês, "unbundling") das redes de telefonia local foram sumarizadas e explicadas numa nota da Anatel de 13 de maio (v. www.anatel.gov.br/biblioteca/Releases/2004/release_13_05_2004(4).pdf). Estas regras regulamentam uma disposição importante da Lei Geral das Telecomunicações ou LGT (Lei 9.472 de 16 de julho de 1997) contida no seu artigo 155:

"Para desenvolver a competição, as empresas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo deverão, nos casos e condições fixados pela Agência, disponibilizar suas redes a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo."

As empresas de telefonia de longa distância, Intelig desde 2000 e Embratel desde 2003, vêm pleiteando a regulamentação deste artigo, para tornar mais eqüitativas as condições de competição entre elas e as empresas de telefonia fixa, Telemar, Telefônica e Brasil Telecom. Os contratos de privatização previam que, satisfeitos certos indicadores de qualidade de serviço, as empresas de telefonia fixa poderiam concorrer com a Embratel e Intelig nos mercados de telefonia interurbana e internacional. Entretanto, somente valeria o inverso caso estas operadoras de longa distância conseguissem estabelecer suas próprias redes de acesso ao usuário final, pois na época da privatização as imensas redes de fios metálicos construídas com o dinheiro dos assinantes das antigas empresas do grupo estatal Telebrás foram repassadas integralmente para as novas operadoras de telefonia fixa.

Como comentado na coluna de 3 de maio, esta herança converteu um monopólio estatal (de telefonia local) num monopólio privado, contra o qual quase não havia condições de competição, como de fato vem sendo demonstrado pela pequena penetração do mercado conseguida pelas empresas "espelho" GVT e Vesper. Mais recentemente, o controle monopolista destas redes de telefonia local vem sendo aproveitado pelas empresas de telefonia fixa para a oferta de serviço "banda larga" usando a tecnologia ADSL, sob nomes como Speedy e Velox. Hoje, apenas estas empresas têm as condições necessárias para lançar este serviço novo. A recente mudança das regras da Anatel foi justificada como maneira de "aquecer" a demanda por estes serviços de "banda larga", por permitir competição na sua oferta por novos provedores, com uso compartilhado da rede de telefonia local das operadoras de telefonia fixo. A Anatel espera que esta competição leve a uma queda significativa dos preços ao consumidor.

O modelo nacional de regulamentar o mercado das telecomunicações, tanto a LGT como as regras novas de desagregação das redes de telefonia local, foi claramente inspirado pelo modelo adotado nos EUA, através da Lei das Telecomunicações de 1996 daquele país. Esta lei mandou a desagregação, não apenas de redes de telefonia local, como de vários outros "elementos de rede", incluindo fibra óptica e equipamentos de transmissão. Foi responsável por permitir a entrada no mercado de telefonia local de empresas de telefonia de longa distância, tais como AT&T e MCI, e por abrir o mercado de serviços ADSL.

Entretanto, esta lei não tem sido visto como panacéia nos EUA, pois as operadoras de telefonia fixa nesse país, as RBOCs (Regional Bell Operating Companies), análogas a nossas operadoras de telefonia local, têm combatido agressivamente por meio dos tribunais suas provisões relativas à desagregação. Esta estratégia tem duas linhas principais. Primeiro, existe uma tradição dos EUA que as taxas de serviços de telefonia são determinadas ao nível estadual e não federal, e foi determinado pelos tribunais que falta competência à FCC, a Anatel de lá, fixar preços nacionais para o aluguel do uso das redes de acesso das RBOCs. Em conseqüência, ao invés da FCC poder ditar uma política nacional de desagregação, é necessário que as empresas interessadas em fazer uso das redes das RBOCs procurem chegar a um acordo individualmente em cada estado. Felizmente para nós, parece que esta questão permanece na esfera federal no nosso país.

Em segundo lugar, as provisões de desagregação da lei norte-americana têm sido interpretada mais amplamente pela FCC do que o artigo 155 da LGT pela Anatel. Em particular, a FCC queria que as RBOCs abrissem toda a infra-estrutura das suas redes para as concorrentes, inclusive suas fibras ópticas e recursos de transmissão. Em resposta as RBOCs entraram com petição na FCC para excluir estes recursos da política de compartilhamento. Aqui, muito tardiamente, a Anatel acaba de publicar suas regras de desagregação, limitadas somente ao uso de da infra-estrutura de acesso de última milha, medida em termos de aluguel de pares de fio metálico ao terminal do assinante. Resta a dúvida se esta regra inclui áreas, como da minha própria residência, onde o acesso local é provido por meio de fibra óptica entre a central e o quarteirão, e o par metálico é apenas dos últimos 100 metros. Vamos torcer que esteja valendo o espírito da nova regra, mais do que apenas sua letra.

De qualquer forma, temos que reconhecer que, mesmo com atraso, a Anatel agiu positivamente em este caso. As novas regras de desagregação estão claramente uma maneira de fomentar competição na rede de acesso local, cuja ausência do cenário da telefonia desestatizada há muito vem sendo apontada como anomalia do modelo adotado no país. A Anatel está de parabéns por finalmente ter dado atenção a esta questão importante.