Autora: Mariana Rezende
Capítulo 6
A identidade do menino misterioso
Ainda na beira do riacho, Lua Branca sentia-se inquieta.
- Alguém nos observa.
- Falou comigo? – perguntou Crocodilo Bravo.
- Cabeça-oca! Com quem mais poderia falar?
- Não precisa ficar nervosa!
- Mas alguém nos observa.
- Como sabe? Está vendo alguém?
- Não, estou sentindo.
- Sentindo o quê?
- Você não está?
- Não estou o quê?
- Sentindo!
- Seja mais clara. Sentindo o quê?
- A presença.
O
irmão ficou mudo. O que ela quis dizer com isso?
- Qual... o que... que... presença? – disse, confuso.
- Presença... A presença da pessoa que nos olha! – Lua Branca
irritou-se.
- O que quer dizer?
- Que tem alguém nos espionando!
- Tá, mas... esse negócio de presença... o que quer dizer?
- Não sente?
- Sinto o quê?
- Ah, deixa pra lá.
A
menina olhou em volta. Alguém estranho estava por ali, bem perto, observando
tudo, como uma fera observa sua presa antes de atacá-la. De repente, sua mente
iluminou-se. Já sentira aquilo antes. Levantou-se e chamou os irmãos:
- Vamos?
- Vamos aonde?
- Para casa! Já está ficando tarde!
Grande
Águia chacoalhou Vento Veloz.
- Annnnn... Que foi?
- Vamos embora!
- Tá! Já vou! – dizendo isso, caiu novamente no sono.
- Ô garoto preguiçoso! Vamos, levante-se!
Como nada adiantou, Grande Águia o levou no colo, mesmo.
- Esse garoto só pensa em dormir! – reclamou.
- Não ligue, nós estamos tendo um treinamento muito duro. Ele está
cansado! – disse Lua Branca
- E por que você não está cansada? – perguntou o irmão.
- Porque eu já descansei o suficiente! – respondeu ela.
- Ah,
tá. E o que ele fez enquanto você descansava?
- Treinava. Acho que ele ficou com medo de eu ficar mais forte que ele!
- Não é de duvidar. Você se aplica tanto ao treinamento quanto nossa mãe
se aplica à casa!
Gostosas
gargalhadas.
- O que é aquilo? – do nada, Crocodilo Bravo apontou para alguma coisa
no meio da floresta fechada – Se parece com um... um... ops! – o garoto
escorregou.
- É um jaguar! – exclamou Lua branca – É aquele jaguar que vimos
pouco tempo atrás!
- Como você sabe que é ele? São todos iguais!
- O que? Que foi? O que está acontecendo? – Grande Águia, que não
participara do encontro com a onça e seu dono, ficou confuso. Sem querer,
derrubou o irmão menor, que dormia no seu colo. Vento Veloz acordou e murmurou
palavras que ninguém escutou – Ah, um jaguar! Um jaguar? Vamos embora! Esses
bichos são perigosos!
- Esse não é! Ele tem dono e é muito bem treinado!
- Se tem dono, o que está fazendo aqui?
Lua
Branca não prestou atenção. Estava agachada, acariciando o belo animal. Vento
Veloz, ainda atordoado pela pancada, aproximou-se da irmã e deitou-se perto
dela.
- O que foi?
- Doeu.
-
Hã?
- Meu irmão derrubou-me no
chão. Não viu?
-
Desculpe! Estava distraída! Vamos para casa. Mamãe faz um curativo para você.
Da próxima vez, Grande Águia, preste mais atenção.
-
Desculpe! Estava distraído! – disse o irmão, zombeteiro.
E voltaram para casa. Conversavam tanto, que nem perceberam o jaguar
perseguindo-os.
Vento Suave preparava o jantar, enquanto Guerreiro Valente reclamava do
calor. Mesmo no fim da tarde, a temperatura era muito alta naquela época do
ano.
Bonzinho latia, pedindo sua refeição. Logo depois que Vento Suave
encheu sua tigela de comida, Lua Branca e os irmãos chegaram. A mãe começou a
ralhar:
- Onde estavam? Por que demoraram tanto? Não deveria ter deixado vocês
saírem! Lua Branca! Não disse que íamos ao mercado? E você, Crocodilo Bravo?
Esqueceu que precisa cortar o cabelo?
- Desculpe-nos... – disseram os dois – Mas estava tão gostoso lá no
riacho que esquecemos...
- Esqueceram, é? Da próxima vez... Que bicho é aquele? – Vento Suave
perguntou, apontando para um animal sentado perto da porta.
- Ele nos seguiu! Será que está com fome? – exclamou Vento Veloz.
Guerreiro Valente, vendo o jaguar sentado, sem mexer um único músculo,
perguntou:
- É treinado?
- É sim – alguém respondeu.
- Temos visita! – exclamou Vento Suave – É um amiguinho de Vento
Veloz?
O menino, o dono do jaguar e de olhos misteriosos, aparecera sem que
ninguém percebesse.
-
Não é amigo de ninguém! – disse Crocodilo Bravo, nervoso. Ninguém prestou
atenção.
- Oi! – disseram, simultaneamente, Lua Branca e Crocodilo Bravo –
Quer brincar com a gente?
- Crianças! Não é hora de brincar! O menino deve estar com fome! –
disse Vento Suave – Logo o jantar ficará pronto! Quer comer conosco?
-
Aceito.
Crocodilo Bravo saiu, abalado. Sentou-se perto da margem do chinampa e
começou a pensar. "Como podem convidar alguém desconhecido para comer? Às
vezes penso que meus pais não têm miolos!"
Depois
do jantar, Grande Águia percebeu que o irmão Crocodilo Bravo não comera. Aliás,
percebeu que o irmão não estivera com eles na hora do jantar. Não demorou
muito procurando-o na casa, pois era muito pequena. Encontrou-o do lado de fora
da moradia, brincando com Bonzinho.
- O que estão fazendo aqui?
Porque não jantaram?
Silêncio.
O cachorrinho olhou para Crocodilo Bravo, cuja face estava estampada pela raiva,
e latiu.
- Estão com ciúmes? – zombou o irmão mais velho, sentando-se ao lado
do garoto.
- Veio aqui para que? Para me chatear? – reclamou o menino – Me deixe
em paz!
- Ei! Não fale assim comigo! Sou seu irmão mais velho, esqueceu? Me
deve respeito!
- Não respeito malucos.
- Eu sou maluco? Maluco é você, que fica com raiva sem motivo!
- Não fui eu quem convidou um garoto que mal conheço para comer junto
da minha família e, ainda por cima, dentro da minha própria casa!
Ouviram risadas. Lua Branca, Vento Veloz e o garotinho surgiram de trás
de uma moita.
- Ih! Meu irmão está com ciúmes! – Lua Branca correu para abraçar o
irmão – Não fique triste! Mamãe não vai abandonar você só por causa do
Felino Astuto!
- Quem?
- É o nome dele! – Vento Veloz apontou para o menino de olhos escuros
e misteriosos – Ele se chama Felino Astuto!
- Ah! Finalmente revelou seu nome! Por que não queria que nós soubéssemos?
– Crocodilo Bravo se levantou e encarou o garoto.
- Só não disse antes porque ninguém perguntou.
Crocodilo Bravo corou. Saiu de perto dos irmãos e entrou na casa.
- Ei! Irmão! Volte! Vamos brincar! – chamou Lua Branca. Porém o
menino não respondeu – Cabeça-oca! Vamos, então, brincar sem ele.
Bonzinho latiu, pedindo comida.
- Viu? Agora está com fome! Por que não comeu antes?
- Eu dou comida a ele – falou Grande Águia – Nossa mãe não vai
querer servi-lo agora, já que todos comeram. Crocodilo Bravo também deve estar
com fome.
No dia seguinte, Felino Astuto novamente apareceu na casa de Lua Branca,
desta vez de manhã. Foi convidado para o almoço, e mais uma vez aceitou.
Crocodilo Bravo também comeu, mas não deixou de lançar olhares ameaçadores
ao garoto. O jaguar também estava presente, e o dono revelou que o chamava
apenas de "animal". Disse que não era treinado, era um animal livre,
mas que o seguia para todos os lados e atendia aos seus chamados. Vento Suave
perguntou quem era seu pai, e o menino respondeu:
- Sou filho do tlatoani.
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