A Lua Branca e a Estrela de Ouro

Autora: Mariana Rezende

Cap?tulo 5

UM GAROTO ESTRANHO


      Vento Veloz cutucou a irm?, acordando-a.

 -   O que foi? ? perguntou ela, sonolenta.

 -   Algo est? se aproximando ? sussurrou ele ? Fale baixo!

      A menina encolheu-se, quando escutou o farfalhar do mato, causado pela coisa, que aproximava-se cada vez mais. Tarde da noite, a escurid?o era quase completa. "? apenas um animalzinho, s? isso" ela pensava. Mas n?o deixava o medo de lado. Olhou para o irm?o, ele estava firme, com os ouvidos atentos ao menor ru?do. O barulho cessou, continuou, interrompeu-se e recome?ou. De repente, algo pequeno pulou por sobre eles e atacou o que estava ? frente.

-   Bonzinho! ? gritou Lua Branca, e, num impulso, correu atr?s do seu bichinho. Seu irm?o a seguiu.

      O c?ozinho farejava alguma coisa no ch?o.

-  Um coelho!? ? Lua Branca e Vento Veloz surpreenderam-se. Algo t?o pequeno podia fazer tanto barulho?

  O que est? acontecendo? Por que n?o est?o dormindo?

      Os dois olharam para tr?s e viram sua m?e, de bra?os cruzados, seu pai, espantado, e seus irm?os, boquiabertos.

      -  Estamos sem sono. O Bonzinho atacou um coelho ? Vento Veloz explicou, apontando para o animal que jazia no ch?o.    

 -  Deixem-no e venham dormir ? chamou Vento Suave ? J? est? tarde.

 -  J? vamos, m?e ? disse Vento Veloz ? Vamos at? o rio e voltamos daqui a pouco.

      Os dois correram para o pequeno rio, com Bonzinho nos seus calcanhares. Chegando, eles come?aram a conversar:

 -  N?o foi o coelho que fez aquele ru?do, foi?

 -  N?o, Luazinha.

 -  E se for um jaguar?

-   N?o era um jaguar. Os jaguares vivem em florestas e por perto n?o h? nenhuma.

-   Ent?o o que f... ? Lua Branca foi interrompida pelo irm?o. Ele ouviu passos se aproximarem, cada instante mais. Quando os ru?dos pararam perto deles, Vento Veloz apanhou um galho grosso e bateu com for?a.

-   Ai!

      O menino reconheceu a voz de Crocodilo Bravo.

-   Vento Veloz, sua peste! Por que fez isso?

-   Ah, me desculpe! Pensei que fosse... pensei que fosse... Ah, sei l? o que eu pensei que fosse!

-   Da pr?xima vez, use os olhos em vez dos ouvidos!

-   Como voc? quer que eu use os olhos? Est? muito escuro, n?o notou? Pergunte para Lua Branca! Ela tamb?m n?o viu que era voc?... O que foi Luazinha?

      Lua Branca estava im?vel, branca, mais branca que de costume, branca de susto, apontando para um ponto no ar.

-   J... ja... ? as palavras n?o sa?ram de sua boca, mas n?o foi preciso.

      Vento Veloz e Crocodilo Bravo olharam para onde ela apontava e viram um animal em posi??o de ataque, um animal belo, de porte m?dio e pele amarela-avermelhada com manchas pretas. Um animal feroz, portador de grande for?a e incr?vel agilidade. Um jaguar. Os irm?os dispararam, mas Bonzinho ficou ali, amea?ando o grande animal com rosnados. Quando Lua Branca percebeu, correu at? ele e o puxou pelo rabo. O cachorro se assustou e saiu em disparada. Mas a menina percebeu que o jaguar n?o se mexia. Crocodilo Bravo e Vento Veloz, j? muito longe, olharam por sobre os ombros e viram a irm? fitando o felino, im?vel.

-   Lua Branca! ? Crocodilo Bravo achou melhor n?o gritar, com medo que o animal atacasse a irm?.

-   Tudo bem ? ela gritou, sem tirar os olhos daquele magn?fico animal ? Ele ? manso!

      A garota agachou-se, chamou o "bichano" e acariciou sua espessa pelagem. Os irm?os aproximaram-se devagar, receosos. Bonzinho os seguiu e quando aproximou-se da dona, come?ou a latir.

-  O que foi, Bonzinho? ? perguntou Vento Veloz ? Ele n?o tem medo de voc?, n?o adianta ladrar!

-  Ele est? com inveja! ? ca?oou Crocodilo Bravo. Bonzinho olhou para ele, indignado.

      Lua Branca estava fascinada. Nunca vira um animal t?o bonito como aquele. At? os p?ssaros com as penas mais coloridas n?o tinham uma beleza t?o impressionante. Os olhos do jaguar tinham um certo mist?rio, dif?cil de explicar. Sua pelagem era brilhante, como se fosse tratada todos os dias. Ela co?ou o queixo do bicho, e ele pareceu gostar. Ronronou como um gatinho dom?stico e se deitou.

-  Parece que meu gato gostou de voc? ? uma voz disse.

-  ?, parece que sim ? Lua Branca respondeu, distra?da.

      A menina olhou para tr?s, junto com os irm?os, e viu o dono do jaguar. Um menino de onze anos estava de p?, com um coelho morto na m?o esquerda e uma corda na direita. Vento Veloz rapidamente p?s-se de p?, tentando proteger irm?.

-  N?o vou machuc?-los ? respondeu o garoto - n?o v? que sou apenas um menino?

-  Um menino que possui um jaguar de estima??o parece-me muito estranho ? Crocodilo Bravo tamb?m se levantou, n?o tirando os olhos do garotinho.

      O menino era alto para sua idade, quase do tamanho de Crocodilo Bravo, cabelos muito lisos e brilhantes, olhos penetrantes e misteriosos. Aparentava ser muito forte. Ele aproximou-se de Lua Branca, que tirou os olhos do felino e fitou o garoto. Os irm?os meteram-se na frente da menina.

-  Se ousar ferir minha irm?, n?o me responsabilizo pelo que meu irm?o far? com voc? ? Vento Veloz avisou, percebendo a f?ria crescente de Crocodilo Bravo.

-  Acalme-se! Apenas quero levar meu animal para casa.

-  Chame-o e ele vir?. Da minha irm? voc? n?o se aproxima.

-  Crocodilo Bravo! ? Lua Branca chamou a aten??o do irm?o ? Eu sei me proteger sozinha! Tamb?m sei lutar!

-  Cale-se! Ele n?o chegar? perto de voc? enquanto eu estiver aqui ? o irm?o da menina estava realmente enfurecido. Muito sem motivo, mas estava.

-  Quem est? com ci?mes agora? ? ca?oou novamente Vento Veloz ? Bonzinho, pelo menos parou de rosnar.

-  Fique quieto!

-  Desculpe, irm?o ciumento! ? Vento Veloz iria ca?oar muito mais, se n?o visse o olhar raivoso de Crocodilo Bravo.

      O garoto misterioso assobiou e o jaguar atendeu ao seu chamado. Sentou-se ao lado do dono e este amarrou a corda em seu pesco?o. O menino despediu-se, mas o irm?o mais velho n?o respondeu. Quando ele e o felino se afastaram, Vento Veloz perguntou:

-  Por que se fingiu de surdo? N?o ouviu ele se despedindo?

-  Ouvi. Nunca fui surdo.

      Lua Branca observava-os atentamente. "Meus irm?os adoram discutir" pensou.

-  Vamos voltar? Agora estou com sono.

-  Vamos ? parando de  brigar, os irm?os concordaram.

 

-  Acorde, Lua Branca! Ainda ? cedo, mas temos que treinar!

-  H?? Qu?? Ah, sim, papai, j? vou.

      Lua Branca se levantou e se vestiu com um certo t?dio. Ela gostava muito de treinar, mas n?o gostava de acordar cedo. Na cozinha, comeu sua refei??o com Vento Veloz e a m?e.

      Vento Suave pedia ao marido que a filha parasse de treinar e a ajudasse nas tarefas de casa. Lua Branca disse que n?o queria parar no meio do treinamento, que j? tinha ido muito longe para desistir. Sua m?e, um pouco chateada, concordou, e Guerreiro Valente disse que arranjaria uma escrava para ajud?-la.

-  Tenho que ir ao mercado ? disse a mulher ? Preciso comprar uma nova vasilha e de umas roupas novas para Lua Branca. Ela est? crescendo muito r?pido! Ah, ?! Crocodilo Bravo precisa de um novo corte de cabelo. Ele j? ? um homem de verdade!  [1]

-   Amanh? voc? vai ? afirmou Guerreiro Valente ? Eu e Grande ?guia tomaremos conta de tudo.

-   ? com isso que eu me preocupo. Homens n?o sabem cuidar da casa.

-   N?o somos t?o descuidados assim. E ficaremos o dia todo na planta??o.

-   Bom... Assim est? melhor. N?o acha legal, filha? Vamos ao mercado! Voc? vai... Lua Branca? ? Vento Suave percebeu que a menina n?o estava mais ali. Viu a filha treinando com Vento Veloz. Ela suspirou ? Como minha filha ? impaciente! E nem terminou de comer! Ela devia ter nascido homem, j? que gosta tanto de lutar! Quando se casar, nem sei o que vai acontecer! Casar com uma menina que n?o sabe cozinhar e cuidar da casa ? o mesmo que engordar um c?o e n?o com?-lo!

      Mas ela falou e ningu?m ouviu. O marido j? tinha sa?do para treinar com os filhos mais novos. Bonzinho sentou diante dela e come?ou a ganir,Rolex Replica pedindo comida.

-   Bom... J? temos um cachorro que n?o vai virar comida, ent?o, que diferen?a far? uma menina que n?o gosta de cuidar da casa?

      Bonzinho parou de ganir quando Vento Suave encheu sua vasilha de comida. 

     

      Lua Branca e Vento Veloz davam socos em um boneco feito de palha. Pararam quando ele estava completamente destru?do.

      -  Ai! Minhas m?os est?o doendo! ? reclamou a menina.      

-   As minhas tamb?m! ? repetiu o irm?o ? Apesar de ser de palha, esse boneco ? muito duro!

-   N?o reclamem! Est?o indo muito bem! ? elogiou o pai ? Logo, logo haver? um treinamento especial para crian?as na cidade.

-   ? por isso que voc? est? deixando o treinamento cada dia pior? ? reclamou, mais uma vez, Vento Veloz.

-   Est? ?timo, para mim.

-   Para voc? qualquer treinamento est? ?timo, Luazinha.

-   ? ?bvio! Eu gosto de ficar mais forte! Mas, parece que hoje fiquei mais fraca ? dizendo isso, a menina desabou no ch?o ? Ai! Mal consigo ficar em p?!

-   Acho que hoje exagerei! ? Guerreiro Valente disse, mas n?o conseguiu esconder um risinho maroto ? Estou muito satisfeito com voc?s! Foram longe!

-   Isso quer dizer que podemos descansar? Oba!!! ? Vento Veloz tamb?m desabou no ch?o ? at? que enfim!

-   Seus pregui?osos! ? brincou o pai.

-   E voc?? At? agora n?o fez nada! ? ca?oou o menino.

-   Ora! Respeite-o! Ele ? seu treinador! ? Lua Branca tamb?m entrou na brincadeira, com voz s?ria. Todos riram bastante.

      Lua Branca adorava rir. Rir era essencial para ela, nunca vira motivos para chorar (exceto quando sonhava com monstros e se machucava), sempre estava feliz. Afinal, ela tinha fam?lia, uma fam?lia que, para ela, era a melhor do imp?rio todo!

        

      Os quatro irm?os estavam sentados ? beira do riacho, juntamente com Bonzinho, como sempre faziam quando aprontavam alguma travessura, quando se sentiam nervosos, quando estavam tristes, para conversar, para descansar, ou seja, para tudo. Eles adoravam aquele lugar, especialmente, com ?rvores oferecendo-lhes sombra e o ribeir?o dando-lhes ?gua fresca.

      Grande ?guia estava apreciando a brisa fresca do fim da tarde, com Vento Veloz roncando ao seu lado. O ing?nuo garotinho dormira, ap?s um refrescante banho no rio. Crocodilo Bravo e Lua Branca pegavam besouros e colocavam no focinho do cachorrinho, que se assustava, sa?a correndo, voltava e corria novamente, vendo uma por??o de besouros na m?o de Lua Branca.

      Os irm?os estavam t?o distra?dos, que nem perceberam um par de olhos misteriosos observando-os atentamente.                                                    


[1] Quando os garotos completavam 15 anos, j? podiam fazer parte de um ex?rcito e isso exigia um penteado diferente do que usavam os meninos pequenos.


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