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Considerações sobre os Efeitos à Saúde Humana da Irradiação Emitida por Antenas de Estações Rádio-Base de Sistemas Celulares     (4)

Autores:  Maurício Henrique Costa Dias e Gláucio Lima Siqueira 

IV. Estudos Associando o Câncer à Irradiação de Microondas  

      Por décadas cientistas têm estudado as formas pelas quais irradiação, produtos químicos e drogas podem danificar as estruturas importantes das células, entre as quais o núcleo (onde o DNA se localiza), a mitocôndria (que gera a energia da célula) e as membranas. Como base para o trabalho, eles construíram modelos de como o câncer começa. Ele pode ser iniciado por irradiação ionizante, que tem a capacidade de separar elétrons dos átomos, e por carcinogens, substâncias que incluem do gás mostarda à fumaça do cigarro, e que podem desarrumar processos-chave como a divisão celular [1].

      Estabelecer ligações entre o câncer e a exposição ambiental de qualquer tipo é muito difícil, por causa da falta de uma causa única de câncer, e por uma série de outras razões. As agências de saúde confiam principalmente em dois tipos de estudo quando investigam agentes carcinogênicos (ou simplesmente carcinogens) suspeitos: estudos epidemiológicos, que envolvem análises estatísticas de registros de saúde de pacientes; e testes padrão, realizados em animais ou em células [3]. Em nenhuma destas frentes tem havido evidência replicada que a irradiação de microondas cause câncer, mesmo em níveis altos de exposição [5]. A pesquisa nesta área tem sido extensa, mas ainda assim não há evidências replicadas nem de estudos epidemiológicos, nem de estudos em laboratório, nos níveis associados à exposição pública de antenas de ERBs. Os poucos relatos que indicam a associação entre câncer ou males relacionados ao câncer, são estudos com animais ainda não replicados [5].

      O câncer no cérebro leva anos ou décadas para desenvolver, e tais estudos nada falam sobre riscos futuros. Detectar riscos de curto ou longo prazo de câncer não é fácil. Para detectar pequenos aumentos de risco seriam necessários estudos muito amplos, que são difíceis de controlar e usualmente controversos em sua interpretação. Qualquer estudo válido deveria avaliar o uso individual de celulares durante uma década ou mais, algo complicado dada a velocidade de desenvolvimento tecnológico na indústria [3].

      Os estudos com animais também não têm suportado uma ligação entre câncer e celulares. W. R. Adey (hoje na University of California em Riverside), reportou em dois artigos recentes que a energia em 837 MHz, modulada como nos celulares digitais, e mesmo a contínua dos analógicos não causou nem promoveu câncer de cérebro em ratos (o câncer preexistente havia sido induzido por agentes químicos). Nestes trabalhos, os ratos foram submetidos a radiações de 0,3 a 2,3 W/kg de SAR, durante um período de 25 meses. Tal resultado foi

confirmado por outro pesquisador (B. Zook – George Washington University em Washington, 1999) [3].

      Mais ainda, os estudos com animais, embora mais fáceis de controlar que os estudos epidemiológicos, apresentam relevância incerta para a saúde humana. Por exemplo, nenhum dos estudos até o momento conseguiu representar a exposição só na cabeça de um usuário de celular; os animais são expostos de corpo inteiro. Em contrapartida, exposições de corpo inteiro apresentam probabilidade maior de produção de efeitos tóxicos que exposições parciais. De qualquer forma, este tipo de discussão envolve julgamento profissional sobre o qual especialistas normalmente discordam. 

IV.1. Estudos epidemiológicos  

      Não há estudos ligando diretamente o câncer à irradiação nos níveis de densidade de potência normalmente encontrados emitida por ERBs, mas sim a radiações de intensidade em torno dos limiares de segurança atuais, ou maiores. Em geral, tais estudos não encontraram correlações significativas [5]. Há pelo menos quatro grandes tipos de estudo encontrados na literatura: estudos de correlação geográfica comparando taxas de câncer entre áreas com diferentes potenciais de exposição a emissão de ondas de rádio; estudos com diferentes grupos de usuários (“câncer cluster”); estudos de câncer em pessoas expostas militar ou ocupacionalmente; e estudos sobre a exposição dos usuários a seus celulares.

      A WHO registra até o momento cinco pesquisas com usuários de celulares com câncer [5]. As pesquisas foram realizadas com universos da ordem de 200 a 800 pacientes, ao longo de períodos da ordem de 4 a 10 anos. Duas pesquisas foram na Europa e duas nos EUA. Nenhuma das pesquisas encontrou associações entre o uso do celular e o câncer de cérebro. Também não foi verificado nenhum tipo de tendência como resposta à exposição. E na mais recente destas pesquisas, os autores relataram que o uso de telefones celulares não pôde ser associado a um aumento do risco de neuromas acústicos (um tumor cerebral benigno).

      No levantamento mais amplo aparentemente já realizado, registrado pelo National Cancer Institute dos EUA, o médico Christoffer Johansen, da Associação Dinamarquesa do Câncer, avaliou os registros de mais de 420.000 indivíduos que começaram a usar celulares entre 1982 e 1995. Comparando os registros de câncer no cérebro ou no sistema nervoso verificados naquele grupo com as taxas de incidência da doença na Dinamarca, concluiu-se que o estudo não sustentava nenhuma ligação entre o uso dos aparelhos e tumores cerebrais, nas glândulas salivares ou mesmo leucemia [21]. A expressividade deste resultado como evidência contrária da associação entre câncer e aparelhos celulares é destacada inclusive no Brasil, pelo oncologista Luiz Paulo Kowalski, diretor do departamento de cabeça e pescoço do Hospital do Câncer, de São Paulo [22].

      Um trabalho comumente citado como evidência da associação entre o câncer e a exposição à irradiação de RF é o de Goldsmith [23]-[24], epidemiologista israelense. Ele argumentou que estudos epidemiológicos sugerem o potencial carcinogênico daquela exposição, que apresentaria ainda outros efeitos (mutações e defeitos de nascença). Suas conclusões são compartilhadas por poucos cientistas. O próprio autor admite que suas referências são de fontes “secundárias”, muitas das quais incompletas e faltando estimativas de dosimetria confiáveis. Mais ainda, ele afirma que não fez esforço algum para incluir relatórios em contrário, evidenciando sua tendenciosidade.

      Uma pesquisa recente [25] relatou que o uso de rádio-terminais portáteis, celulares ou aparelhos similares no ambiente de trabalho por pelo menos várias horas por dia foi associado com melanoma intraocular (uveal). O uso ocupacional, segundo os autores, é cerca de quatro vezes maior que o normal. O uso dos celulares fora do trabalho não foi avaliado. Entretanto, na única referência comparável [26], os pesquisadores encontraram menos melanoma e câncer ocular que o esperado em usuários de celular. De qualquer forma, fica levantada a possibilidade de inclusão de um novo tipo de câncer ao grupo que já vem sendo estudado como potenciais riscos causados pela irradiação de RF. No momento, entretanto, dado o tamanho reduzido do experimento, a avaliação relativamente superficial da exposição, a falta de atenção a outras possíveis variáveis, como irradiação ultra-violeta por exemplo, e o suporte limitado da literatura, recomenda-se uma interpretação cautelosa de seus resultados [5].

      Em suma, até o momento, os resultados de estudos epidemiológicos são inconsistentes com qualquer grande aumento (dobro ou mais) do câncer no cérebro e do câncer generalizado pelo uso de celulares. Entretanto, deve-se lembrar que os estudos epidemiológicos não apresentam a sensibilidade para detectar pequenos aumentos no risco, um problema familiar a qualquer avaliação de risco carcinogênico [3].  

IV.2. Estudos com animais e células  

      Há cerca de 10 anos, Martin Meltz, professor associado de radiologia no Centro de Ciência de Saúde da Universidade do Texas, em San Antonio – EUA, afirmou não haver evidências indicando que as microondas possam iniciar um câncer. Sua afirmação era respaldada por mais de 13 anos de estudos sobre os efeitos da irradiação ionizante, da irradiação de microondas (não-ionizante), e de drogas em células saudáveis e cancerosas [1]. O mesmo ele não pôde afirmar quanto a possibilidade de um câncer pré-existente ser exacerbado pela exposição à irradiação na freqüência dos celulares. Suas pesquisas desde então vem indicando que não, particularmente sob efeitos térmicos, com aquecimentos de até 3o das células estudadas.

      Seguindo a tendência oposta, uma pesquisa que chamou muita atenção quando publicada foi a de Lai e Singh [27]-[28]. Eles verificaram aumentos nas rupturas simples e duplas das cadeias de DNA de células cerebrais de ratos que foram expostos por curtos períodos de tempo a irradiação de microondas de baixa intensidade (SAR de 1 W/kg). Rupturas simples são bastante comuns e normalmente reparadas pelo próprio organismo, não causando problemas. A ruptura dupla entretanto libera material genético que pode se reconectar em uma nova ordem, ou mesmo em uma parte diferente do cromossomo, podendo matar a célula ou gerar mutações ou anormalidades. Tais rupturas duplas são consideradas como bons indicadores de câncer potencial. Entretanto,

este trabalho recebeu diversas críticas, sendo que pelo menos três grupos de pesquisadores não conseguiram reproduzir seus resultados [5].

      Outro trabalho muito citado alegando evidências da associação foi um estudo australiano com ratos predispostos a linfoma, expostos com irradiação acima dos valores limiares de segurança, modulada como nos celulares digitais, por 18 meses [29]. Os resultados indicaram aumento da incidência de linfomas, mas não na de outros tumores. Na verdade, na opinião de outro especialista [30], diferenças em indução de tumor entre animais normais e predispostos é algo esperado, pois suas pesquisas indicaram que animais geneticamente alterados freqüentemente apresentam respostas diferentes das de animais normais em testes de agentes carcinogênicos. O estudo é interessante, mas seu impacto para regulação de exposição é pouco claro. Não se pode determinar a partir do estudo se linfomas podem ser induzidos em animais normais, ou que nível é requerido para indução de linfoma nos ratos predispostos.

      Para que um estudo deste tipo seja associado a uma avaliação de risco aos humanos, é preciso:

-          replicar independentemente os resultados;

-          realizar estudo similar com ratos normais;

-          determinar a relação entre exposição e resposta.

      Quando se deseja saber se algo pode causar câncer, normalmente começa-se com um grupo sensitivo de animais e uma alta dose do agente. Isto maximiza a chance de se encontrar algo. Se nada é encontrado sob tais circunstâncias, pode-se então ficar bastante confiante de que o agente é não-carcinogênico. Se câncer em excesso for encontrado, torna-se necessário determinar se isto também ocorrerá em animais normais e/ou em doses mais razoáveis. Se primeiro fossem testados animais a baixas doses sem encontrar câncer em excesso, dever-se-ia ainda testar em altas doses.

      Outro ponto importante é a dificuldade em expor os animais a níveis uniformes de irradiação. Basicamente, ou os animais são tratados com liberdade de movimento com mínimo distúrbio, e aceita-se uma maior incerteza da dosimetria; ou se obtém uma boa dosimetria, ao risco de se produzir resultados artificiais devido ao manuseio e ao confinamento.

      Na primeira tentativa de se replicar aquele estudo australiano, não houve sucesso. A única diferença entre os experimentos é que no original os ratos foram alterados geneticamente para se tornarem predispostos, enquanto neste último, a predisposição foi obtida por exposição a irradiação ionizante [31].

      A WHO tem em seus registros pelo menos mais vinte estudos com ratos, desde 1971 até os dias de hoje. Para a maioria destes estudos (18), concluiu-se que não houve evidências do efeito cancerígeno testado, ou as variações observadas eram pouco significativas. Um dos trabalhos apresentou resultados positivos para o teste de câncer, mas a dosimetria utilizada parece questionável. O trabalho restante observou uma redução da vida média dos ratos, em função do efeito térmico provocado. Ou seja, de modo geral, a indução de linfoma e outros tumores, por exposição ao longo da vida de roedores a RF não parece ser um fenômeno generalizado [5].

      Com relação a demais estudos com células, sabe-se que agentes que possam danificar o DNA celular são presumidos potencialmente carcinogênicos. Tais agentes são chamados de genotoxinas ou agentes com atividade genotóxica. Em geral, estudos de células expostas a RF não encontraram evidência de genotoxicidade, a menos que a SAR fosse alta o suficiente para causar algum dano térmico. Pelo menos dez trabalhos recentes não encontraram evidência do potencial genotóxico da irradiação de RF, com SAR em torno do limiar das diretrizes (mínima de 0,015 e máxima de 12,5 W/kg). Células do sangue humano, ratos e outros mamíferos e até mesmo bactérias foram testadas. Entretanto, outros cinco trabalhos indicaram alguma evidência, mas ainda sem replicações [5].

          Há ainda um estudo recente com vermes nematóides [32]-[33], cujos resultados sugerem que a exposição “não-térmica” (abaixo dos limiares de segurança) pode levar à manifestação de proteínas de choque térmico (“heat shock proteins”). A síntese destas proteínas é aumentada imediatamente após uma elevação súbita da temperatura, e sua função é ajudar a diminuir os efeitos nocivos de uma alta temperatura. Tal resultado foi um dos argumentos que levou à conclusão do relatório “Stewart” de que há indícios de efeitos biológicos para exposições abaixo dos limiares de segurança, ainda que tais efeitos não necessariamente causem algum mal [5]. E provavelmente foi o estímulo para mais uma pesquisa que se inicia, desta vez no centro de imunologia do hospital australiano St Vincent, sobre as implicações do uso de longo prazo do celular. Em particular, o estudo investiga se a exposição à irradiação de celulares ativa a produção de proteínas de choque térmico. Segundo o investigador chefe do projeto, quando tais proteínas são ativadas por um longo período, há evidencias indicando que as células fiquem disfuncionais, o que potencialmente poderia torná-las cancerosas. Os testes serão feitos quatro vezes ao dia, em sessões de 1 h de exposição sobre células do cérebro humano, e até o fim do corrente ano serão publicados os primeiros resultados [16].

      Enfim, até o momento, os resultados de estudos com animais e células não tem mostrado efeitos carcinogênicos bem definidos. Entretanto, deve-se lembrar que a relevância de estudos com animais para a saúde humana é incerta, outro problema familiar a qualquer avaliação de risco carcinogênico [3].    

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