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AS INCONSTITUCIONALIDADES DO FUNTTEL   (03)

AUTOR: FERNANDO NETTO BOTELHO

2 - A inconstitucionalidade tributária

A Lei 10.052/2000, já em seu art. 4o - cujo conteúdo está repetido em seu regulamento executivo, precisamente no art. 6o do Decreto 3737/2001 - institui fonte arrecadatório-financeira do FUNTTEL.
Cabe, a esse respeito e desde logo, um importante indicativo.

A nova lei do FUNTTEL constitui-se do último, ou, do subseqüente, ato normativo ordinário, emanado do Congresso Nacional, sobre serviços de telecomunicações.
Fez-se a ela imediatamente anterior a Lei 9998/2000, esta, que se incumbiu da edição, justamente, de outro fundo de telecomunicações: o FUST.

O FUST - que tivemos a oportunidade de abordar em nosso "As Telecomunicações e o Fust" (ed. Del Rey, 2001) - foi editado com a publicação da Lei 9998/2000, ocorrida em agosto/2000.

O FUNTTEL, por sua vez, instituiu-se pela posterior Lei 10.052, publicada em novembro/2000.
Entre a edição normativa de um (o FUST) e outro (o FUNTTEL) decorridos, portanto, três meses.
Ambos fundos "de telecomunicações" - cuja variação se restringe à destinação ou finalidade definida para cada um (o FUST, destinado ao suprimento da universalização; o FUNTTEL, ao desenvolvimento tecnológico; ambos vinculados aos serviços de telecomunicações) - viram-se entregues a modalidades diversas de gerenciamento: o primeiro, à admnistração exclusiva da ANATEL; o último, à administração colegiada de "Conselho Gestor" do qual a ANATEL não detém mais do que o direito a um dos seis votos, aspecto abordado no item anterior.
Fica nisso, entretanto, a diferenciação entre ambos.

Leitura atenta dos dois diplomas que a eles correspondem - a Lei 9998/2000 e a agora editada Lei 10.052/2000 - escancara uma intensa e invulgar similitude de textos normativos.
Permitimo-nos, inclusive e sempre com renovado respeito à edição legislativa, constatar que, inobstante portadores de temática diversa, contêm as citadas leis disposições internas, gerais e respectiva redação, quase que absolutamente iguais.
Especificamente quanto ao que dizem - as Leis 9998/2000 (do FUST) e 10052/2000 (do FUNTTEL) - sobre fontes possíveis de receitas de cada um, podemos afirmar, sem pejo, que são absolutamente iguais.
Poder-se-ia sustentar que nada de grave há em repetir-se estrutura normativa anterior na nova, se a temática essencial de uma e outra estiverem respeitadas e preservadas.

Mas, esta lógica, aqui, ocorre com relatividade, que motiva indagação, qual a de ver-se dois temários diversos regulados por leis distintas mas cujos corpos normativos se equivalem, em termos de estrutura e critério redacionais.
Esta coincidência, digamos, estrutural das normas, cria, em específico ponto, mais do que uma episódica similitude, promovendo uma grave e intransponível colidência.

É então aí, exatamente, que surge o problema, que é antes de ordem técnica-jurídica e que por isso integra a missão do intérprete, detentor do trabalho de hermenêutica.
Procuraremos, com objetividade, demonstrar o "punctum" desta questão, em relação às regras que estão inseridas, com essencial comunitarismo, nas subseqüentes instituições legais, "do FUST" (Lei 9998/2000) e "do FUNTTEL" (Lei 10052/2000).

Comecemos pela análise da lei (mais) nova: a Lei 10.052/2000.
Ao dispor - em seu art. 4o - sobre "receitas do Funttel", decidiu-se a norma nova por instituição de específica e compulsória contribuição, assim estabelecendo:
" II - contribuição de meio por cento sobre a receita bruta das empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, decorrente de prestação de serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, excluindo-se, para determinação da base de cálculo, as vendas canceladas, os descontos concedidos, o ............. ICMS......PIS e .....COFINS".

Confira-se, agora, a disposição a ela imediatamente anterior - inserida no inciso "IV" do art. 6o da Lei 9998/2000, igualmente definidora de fontes de receitas (do FUST):
" IV - contribuição de um por cento sobre a receita operacional bruta, decorrente de prestação dos serviços de telecomunicações nos regimes público e privado, excluindo-se o ............. ICMS......PIS e .....COFINS".

Primeiramente - e invocando o que tivemos a oportunidade de acentuar em nosso "As Telecomunicações e o Fust" (ed. Del Rey, ed. 2001, págs. 90/130) - institui-se, nesta exata imposição (a do inciso IV, da Lei 9998/2000), feita, agora, de igual modo, também na "Lei do Funttel", contribuição econômico-financeira compulsória, pelo que de tributo se está a tratar, nos termos em que o define o CTN, em seu art. 3o, eis que a relação jurídico-obrigacional que a determina e que se institui independentemente de emissão anímica, decorrerá do puro implemento do fato-tipo alinhavado.
Mais precisamente, de contribuição tributário-intervencionista - no domínio econômico - se está, em ambas imposições normativas (incisos II, da Lei 10052/2000, e IV, da Lei 9998/2000), a cogitar, eis que, por elas, se atribui, à atividade-fim exercida pelas delegatárias de serviços de telecomunicações, encargo financeiro-pecuniário não vinculado ao (ou, desvinculado do) exercício profissional categorizado ou ao/de feitio assistencial-social.
Torna-se inequívoco que ambas possuem, pelas respectivas regências normativas, finalidade expressa, pelo que atenderão, contribuições que são, ao cumprimento do "princípio da destinação".

A contribuição - para o FUST - visa implementar redução de desigualdades regionais/sociais, pela via do suporte financeiro, que permite, para o cumprimento de metas de universalização (art. 170, VII, da Constituição), onerando, a tanto, o prestador de telecomunicações com o seu recolhimento compulsório mensal.

A contribuição - proposta para o FUNTTEL - visaria incremento do desenvolvimento tecnológico de telecomunicações, na forma propugnada, formalmente, pelo art. 174/CF, igualmente onerando o mesmo prestador com mesma periodicidade de recolhimento (art. 19 do Decreto 3737/2001).

Duas, assim, as contribuições tributárias intervencionistas, instituídas, respectiva e sucessivamente, para os serviços de telecomunicações: uma (a devida ao FUST, à alíquota de 1%), outra (a agora devida ao FUNTTEL, à alíquota de 0,5%).

Se a norma instituidora do tributo, há, em respeito ao princípio constitucional da legalidade estrita em tema tributário - art. 150, I, da CF - e em observância da tipicidade fechada, de definir previamente contribuintes, fatos geradores, bases de cálculo, alíquota, elementos indissociáveis da relação jurídico-tributária, convém conferir, com exatidão, o alinhavo de tais elementos em relação ao FUST e FUNTTEL.

O exame, mesmo superficial, que se faça dos dispositivos instituidores das correspondentes contribuições - IV, art. 6o, da Lei 9998/2000, e II, art. 6o, da Lei 10.052/2000 - levará à conclusão de que:
a) ambas contribuições intervencionistas - para o FUST e para o FUNTTEL - têm, como fato gerador ou hipótese genérica de incidência, o implemento de mesma atividade-fim, qual a de telecomunicações que gere "receita operacional bruta", ou, o exercício de atividade que ocasione expressão positivo-financeira (+) como resuldado mensal;
b) ambas contribuições incidem sobre atividade de específico universo de contribuintes: "empresas prestadoras de serviços de telecomunicações";
c) ambas contribuições têm, como base de cálculo, a mesma "receita operacional bruta", da qual deduzidos, apenas, "ICMS, PIS, COFINS", e estornos que não configurem o fato gerador básico (como "descontos" e "vendas canceladas").

A diferença, entre elas, se situa, portanto, em dois exclusivos pontos: a destinação (que em uma e outra não é a mesma) e a alíquota (que, na primeira, é de um por cento, e, na última, de meio por cento).
Todos os demais e fulcrais elementos integrantes do tributo - o fato gerador, o contribuinte, a base de cálculo, a periodicidade e a forma do recolhimento (mensal, mediante lançamento por homologação) - são, rigorosamente, os mesmos, tanto nas contribuições para o FUST quanto nas do FUNTTEL.

Noutras palavras, a (mesma) prestadora de telecomunicações, à partir de 29.03.20001, está obrigada a recolher, mensalmente, contribuições tributárias intervencionistas apenas nominal ou finalisticamente diferentes, incidentes, ambas, sobre mesma base de cálculo e fixadas em mesmo fato imponível: o exercício da atividade-fim associado à geração de receita operacional bruta mensal.

Neste particular, portanto, a lei nova, ou subseqüente - a Lei do FUNTTEL - repete o fato gerador, a base de cálculo, e obrigados/contribuintes pré-definidos em lei anterior (na Lei do FUST).
Ao fazê-lo, re-edita perfil básico do tributo (contribuição tributária intervencionista no domínio econômico), para apenas dar-lhe nova destinação e nova alíquota.

Esta superposição de fatos geradores e bases de cálculo, em relação a mesmo universo de contribuintes e mesma "specie" tributária, decididos em prol de mesma pessoa política (a União Federal), evidencia o "bis in idem" entre os tributos que têm, como destino, o suporte arrecadatório para o FUST e para o FUNTTEL.

Gostaríamos de deixar consignado a esse respeito que, embora haja a Excelsa Suprema Corte decidido "...que as contribuições previstas no artigo 149 estão a salvo da proibição de coincidência de base de cálculo..." (RE 186862-7/PR, j. 26.09.95, rel. Ministro Marco Aurélio), a matéria, sobre a dualidade contribuitiva entre o FUST/FUNTTEL, difere, significativamente, daquele pressuposto, na exata medida em que, para esses fundos de telecomunicações, as citadas normas sucessivas (Leis 9998/2000 e 10052/2000), estão se lançando a muito mais, ou, a um considerável "plus", além da mera repetição de bases.

Por elas repetiu-se não a base estrita de cálculo - mesma receita operacional mensal "bruta" das prestadoras de telecom - mas os próprios fatos geradores, tornando a dupla incidência ônus imposto a mesmíssimos contribuintes.
Não poderá ser a mera dualidade finalística, ou de destinação, de tais fundos - conseqüentemente das contribuições intervencionistas devidas a cada um, que, de fato, constituem tributos qualificados pela destinação - elemento, por si, definidor da autorização ou legitimação do "bis in idem" que se nota em tamanha e ampla coincidência.

Na exata medida em que o faz, a repetição abandona o perfil da contribuição finalística, agravando, pura e simplesmente, a anterior tributação contribuitiva que já incidia sobre a receita operacional.
Aplicável, portanto, e analogicamente, a restrição constitucional a tanto, do § 2o, do art. 145/CF, com a delimitação feita no art. 77, parágrafo único, do CTN, que tiram aplicabilidade essencial, por inconstitucionalidade, ao inciso da nova lei - inciso II, do art. 6o, da Lei 10052/2000.

Todavia, e, assim já não fosse, isto é, não se pudesse considerar, por hipótese, inexigível o novo tributo - para o FUNTTEL - por inconstitucionalidade decorrente do "bis in idem" que ocasiona em relação à contribuição anteriormente arbitrada, com mesmo perfil, para o FUST, ter-se-ia, ainda, de apreciar a questão da imunidade constitucional-tributária dos serviços de telecomunicações.
Diz, sobre ela, mais precisamente a instituindo - à imunidade constitucional tributária - o art. 155, § 3o, da Constituição Federal, com a nova redação determinada pela EC 3/93:
" Art. 155 - ............
..........................
§ 3o - À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do "caput" deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro tributo poderá incidir sobre operações relativas a .........serviços de telecomunicações...."

Esta intangibilidade constitucional dos serviços de telecomunicações já foi, sabe-se, mitigada por reiterados julgados das Côrtes Superiores do país - STJ e STF - que consideraram-na inaplicável a tributos sociais específicos (PIS, COFINS, FINSOCIAL), todavia claramente se posicionando os mesmos julgados, a esse respeito, quanto ao caráter eminentemente social, ou financiador da seguridade social, de tais encargos, isto porque a mesma Constituição, interpretada sistematicamente, assegura a tributação intervencionista, em prol da seguridade social, no art. 195/CF (RE 259541/STF, RE 205355/STF, RE 230237/STF, RE 233807/STF, RE 260165/STF, RE 227832/STF, RESP 171413/STJ).

Todavia, tais arestos não se aplicam à hipótese alinhavada pela nova lei 10052/00, em seu art. 6o, inciso II, eis que, ali, se institui não contribuição intervencionista em prol da seguridade social (art. 195/CF), mas intervencionista pura da atividade econômica privada, na forma do art. 174/CF, não havendo autorização, a esse respeito, para que, através de repetição de fato gerador pré-fixo - o que embasa mesma contribuição puramente intervencionista (para o FUST) - novas e ulteriores se instituam.
A que se fez instituída para o FUST tem sua convalidação - a exemplo das que se movem em prol da seguridade social (PIS, COFINS, FINSOCIAL), estas permitidas pelo art. 195/CF - pela autorização concedida pelo art. 170, VI, da CF.

Mas, esgota-se, nisso, a autorização constitucional para implemento de exceção à regra, que é definida pela mesma Constituição (no seu art. 155, § 3o), quanto à imunidade tributária dos serviços de telecomunicações.
Trata-se, aliás, de imunidade objetiva sobre a qual, com a costumeira exatidão, leciona o Professor ROQUE ANTÔNIO CARRAZZA ("Curso de Direito Constitucional Tributário, 11a. edição, ed. Malheiros, págs. 466/467"):
"....para nos situarmos no assunto, este tipo de imunidade - como leciona Aliomar Beleeiro - "protege objetivamente a coisa apta ao fim, sem referir-se à pessoa ou entidade".
..................
A norma constitucional em foco colima reduzir o custo....dos serviços de telecomunicações....que, como se sabe, acaba suportado pelo consumidor final. Isto favorece o progresso do País, que depende, em boa dose, destas operações e serviços, para ingressar no chamado Primeiro Mundo.
..................
A exceção constitucional, como vemos, considera um interesse superior do País: o de progredir, em todos os sentidos, rumo ao bem estar geral, tal como preconizado no Preâmbulo de nossa Carta Magna.
..................
A imunidade de que aqui se cogita não pode ser anulada, mas, pelo contrário, deve ser neutra, concreta e efetiva, irradiando efeito sobre todos os outros impostos (tenham a denominação e a destinação que tiverem)....".
Estamos, portanto, em que, seja pelo implemento - que ocasiona em relação à anterior contribuição para o FUST - de "bis in idem" violador do art. 145, § 2o, da CF, seja pela imunidade tributária que se assegura aos serviços de telecomunicações no § 3o, do art. 155/CF, a nova contribuição instituída para o FUNTTEL pela Lei 10052/2000 torna-se inexigível, às prestadoras, em virtude da inconstitucionalidade essencial ou orgânica de que padece o dispositivo que a determina.

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