FERNANDO NETO BOTELHO
    
    (fernandobotelho@terra.com.br):
    - é Magistrado de carreira do Estado de Minas Gerais e Desembargador do 
    Tribunal de Justiça/MG, da 13a. Câmara Cível;
    - foi Juiz de Direito Titular da 4a. Vara de Feitos Tributários do Estado de 
    Minas Gerais em Belo Horizonte; 
    - possui MBA - Master Business of Administration em Gestão de 
    Telecomunicações, pela FGV/Ohio University-USA (2001/2002); 
    - foi Membro do Comitê de Defesa dos Usuários de Telecomunicações da ANATEL 
    (mandato 2002/2003); 
    - é autor do livro "As Telecomunicações e o FUST" (ed. Del Rey - 2001); 
    - é Membro da ABDI - Associação Brasileira de Direito de Informática e 
    Telecomunicações; 
    - foi Diretor de TI da AMAGIS - Associação dos Magistrados de MG; 
    - é autor de artigos, palestras, e trabalhos doutrinários sobre regulação de 
    telecomunicações; 
    - é Membro da Comissão de TI do TJM - Tribunal de Justiça de MG e 
    Coordenador da Comissão do Processo Eletrônico do TRE-MG;
    - é co-autor dos Livros "Direito Tributário das Telecomunicações" (ed. 
    Thomson IOB-ABETEL, 2.004) e "Direito das Telecomunicações e Tributação" 
    (ed. Quartier Latin-ABETEL, 2.006).
    Uma 
    webpage mantida pela ComUnidade WirelessBRASIL registra seus trabalhos e 
    suas participações em Grupos de Debates.
    
    ----- Original Message ----- 
    From: Fernando Botelho 
    To: Helio Rosa ; 
    Celld-group@yahoogrupos.com.br ;
    wirelessbr@yahoogrupos.com.br
    
    Sent: Saturday, December 20, 2008 12:50 PM
    Subject: [wireless.br] Re: Crimes Digitais (46) - O "espírito do legislador" 
    + Estudo dos Art. 285-A e 285-B + Artigo de Fernando Botelho
 
  
     
  
    
    Prezado Hélio,
  
     
  
    
    Tenho tido muito pouca 
    condição de atuar, de me manifestar, mas não perco uma linha das ricas 
    mensagens que, não só sobre esse mas sobre todos os outros assuntos, são 
    diariamente veiculadas aqui, sempre sob sua criteriosa e equilibrada batuta.
  
    
    
    Esta sua coordenação, aliás, esse seu invulgar poder de convocação 
    permanente à reflexão fria e fundamentada, à depuração técnica dos 
    dados, das informações, é que faz desse, seguramente - mais uma vez 
    repetindo o que tantos já afirmaram - o mais amplo e prestigiado espaço 
    eletrônico de debates de TI do país (deve ser do mundo, mas fico na 
    comparação interna-doméstica prá não frustrar ninguém "lá fora"...rs).
  
    
    
    Cada pessoa, fruto de suas próprias convicções, formação, meio social, 
    profissional, etc., reserva preferências, que se revelam nas convicções, nas 
    manifestações, nas impressões, e que se legitimam justamente pela liberdade, 
    que todos temos, de expô-las, de sustentá-las, com ênfase, com o colorido, 
    com as tintas, enfim, que queiramos.
  
    
    
    Cada ambiente comporta, no entanto, um nível específico de liberdade para 
    essa expansão intelectual, e, aqui, estamos, seguramente, na plenitude, no "maximum" 
    desta prerrogativa...é fundamental que seja assim. Do contrário, não 
    funciona.
  
    
    Solenidades, restrições, 
    regras, para expressão, são para outros campos, reconheço; aqui, deve mesmo 
    prevalecer uma ampla possibilidade de nos manifestarmos.
  
    
    Seguramente por isso, o 
    assunto da nova (possível) lei brasileira de cybercrimes tem motivado graus 
    os mais variados de manifestação, que vão do zero ao infinito.
  
    
    
    Ora sob um, digamos, acanhamento que vem do desconhecimento técnico da 
    matéria, ora sob um entusiasmo exacerbado de visões compreensivelmente 
    ligadas a setores ou atividades envolvidas em seu campo de atuação, ora, 
    ainda, por razões mais específicas, ligadas à própria idiossincrasia com a 
    política e com políticos que, inevitavelmente, integram a sua formação - 
    porque produto da atividade parlamentar que nós mesmos criamos pela opção da 
    democracia representativa - o projeto de lei tem se submetido, também aqui, 
    a uma sazonal visão apreciativa.
  
    
    E vc tem chamado a atenção 
    para isso; vem, com rara felicidade, apontando a necessidade de um pouco 
    mais de calma, de equilíbrio, talvez, até, de caldo de galinha...rs....informando 
    que isso não fará mal algum na análise da nova lei.
  
    
    
    Não sou, evidentemente, avaliador de tutorias eletrônicas, mas, se não me 
    engano, o caminho mais útil está, exatamente, por aí.
  
    
    Afinal, tantas leis são 
    feitas, tantas modificações, muito mais significativas que essa já foram, 
    estão sendo, e serão implementadas no Brasil - e essa não mais faz que 
    alterar 11 disposições das mais de 300 vigorantes há meio século do Código 
    Penal - e o mundo brasileiro não ruiu, nem ruirá, com elas.
  
    
    
    Ninguém será privado de seus bens, de sua dignidade, de sua liberdade 
    intelectual, de sua privacidade, de sua intimidade, só porque o PL 84 está 
    para ser apreciado, ou possa vir a ser aprovado e promulgado.
  
    
    O cenário apocalíptico que vem 
    sendo pintado em torno dele surpreende e assusta, antes, os próprios 
    profissionais que auxiliaram sua composição redacional.
  
    
    Fui um deles, como vc 
    ressalta. 
  
  
    
    
    Na última audiência pública, na Câmara, cheguei a dizer isso, publicamente, 
    tão surpreso fiquei (ficamos todos) com o volume....rs. 
  
  
    
    Assustamo-nos todos os que 
    atuaram, em caráter voluntário, não remunerado, e puramente técnico, com o 
    volume altíssimo aliás, dos alertas sobre o que irá ocorrer com o país após 
    sua (eventual) aprovação.
  
    
    Tudo ruirá ! A internet 
    acabará ! Todos serão presos, incriminados, violados ! Um manto 
    negro, pior que aquele que se dobrou sobre a nação na ditadura, voltará, 
    mais denso, com o PL 84.
  
    
    
    Profissionais do GSI-Grupo de Segurança da Informação da Presidência da 
    República, da Polícia Federal, das Consultorias Técnicas do Senado e da 
    Câmara, das Assessorias Jurídicas das Tres Forças Militares nacionais, da 
    Magistratura, da Advocacia especializada/TI, e dos próprios Partidos, de 
    oposição e situação, que atuaram na composição do texto, ficaram 
    (ficamos), estupefatos com o volume!
  
    
    
    Não pensávamos, sinceramente falando - e talvez falando com o máximo da 
    minha ingenuidade - que, após rodadas e rodadas de discussões e alterações 
    redacionais na estrutura do PL, com amplas e, inclusive, antagônicas visões 
    sobre proteção e resguardo de direitos civis fundamentais (a liberdade de 
    expressão, a intimidade, a privacidade, e o sigilo de dados e comunicacional), 
    tivéssemos errado tanto, tanto nos distanciado do equilíbrio, da 
    racionalidade, da orientação, insisto técnica, da atuação 
    político-parlamentar, que proibia, a todos, exatamente, risco qualquer de 
    fissura dos valores máximos que compõem, hoje, a liberdade na rede.
  
    
    
    Tudo isso, meu caríssimo Hélio, ficara, repentinamente, reduzido a pó; ao pó 
    do exorbitado alerta de que o resultado da coletiva e heterogênea visão, 
    que, com imensa dificuldade e cuidado, chegou a um texto mínimo-comum, 
    consensual, ou, como sempre referencia o Portugal, consensuado, que 
    envolveu, inclusive, conjunta participação da assessoria técnica de Partidos 
    antagonicamente opostos no Parlamento (situação e oposição), destruiria, 
    rigorosamente, os campos de convívio eletrônico, do simples ato de 
    envio-recebimento de e-mails, ao das comunidades mais importantes, como esta 
    aqui, e, ainda, à de trocas de conteúdos específicos (como musicais, filmes, 
    etc.), passando pela própria quebra, integral, da estrutura econômica dos 
    Provedores de Acesso, com particular afetação dos pequenos, dos mais pobres 
    e mais úteis.
  
    
    
    Terra Arrasada ! É o que teríamos produzido nas dezenas de horas e dias de 
    reuniões e discussões, além de duas seguidas audiências públicas no Senado e 
    na Câmara...destruição, portanto, à luz-do-dia, pública, inclusive, em 
    cenário institucional, e, o que é pior, realizada por especialistas em 
    devastação !
  
    
    Não foi só ! Tudo isso ainda 
    se faria em nome ou à conta de interesses subalternos, 
    políticos-politiqueiros, financeiros, pequenos, e sei lá o que mais....
  
    
    O assunto se tornou, de 
    repente, meio, digamos, "religioso-fundamentalista"...uso, aqui, estas 
    expressões com muito, muito cuidado, para não despertar a ira justamente 
    contra o que quero seja recebido (pelo Amor-de-Deus !...rs) como não mais 
    que mero esclarecimento do fato...rs...ainda que sob uma pessoalíssima, 
    modestíssima, ótica......!...vênia das vênias (todas)...rs
  
    
    
    Aliás, como aqueles todos que têm sentimentos, também tenho a minha própria 
    e pessoal característica, que é a de desânimo absoluto, total, de 
    ingresso em cenários de gritaria, de rolos compressores, e de emocionalidade 
    exacerbada; modesta e respeitosamente, penso que eles levam a nada, não 
    resolvem, absolutamente, nada; só contribuem, primeiramente prá ofender; 
    depois, prá atiçar ânimos, e, finalmente, prá desmontar a possibilidade de 
    soluções e debates razoáveis, com geração de soluções médias, produtivas.
    
  
  
    
    E, também, porque esses 
    cenários costumam terminar, mesmo, mais cedo, mais tarde, na Justiça, que é 
    onde atuo e trabalho, talvez o uso, diário-intenso, "do cachimbo", tenha 
    "entortado a boca", para desanimar a integração prévia a eles...rs...e, a 
    rigor, esperar que acabem chegando lá mesmo no prédio próprio (da Justiça).
  
    
    Sei que muitos pensarão que 
    trata-se de uma demasiadamente "fria-do-juiz"...pode ser que seja ! Mas é o 
    meu mais sincero sentimento sobre toda essa confusão gerada na discussão do 
    PL 84 após sua aprovação no Senado: a de que, de técnico mesmo (refiro-me à 
    técnica de tecnologia, associada à técnica jurídica, e à técnica redacional) 
    muito pouco se discute, muito pouco se fala...e a poeira da exacerbação não 
    faz mais que negar essa possibilidade, que é a possibilidade da dialética 
    sensata e conhecedora da questão.
  
    
    Não confundam, por favor, com 
    arrogância ou pretensiosidade.
  
    
    Não é isso.
  
    
    
    É que o que se deve discutir, pautar, se se quer, como adverte o Hélio, uma 
    discussão séria, realista, sobre os efeitos palpáveis, materiais, desta 
    (possível) lei, não é, efetivamente, o cenário abstrato, imaginário, de 
    destruição, que ela poderá (e para alguns irá) gerar.
  
    
    É o que ela poderá produzir, 
    na "mens" daqueles que irão aplicá-la - os representantes do Estado para 
    esta finalidade (que chamamos de Estado-Jurisdição) - em termos de 
    resultante material, e, consequentemente, o que ela não poderá produzir.
  
    
    Prá isso, não tenham dúvida, é 
    preciso acalmar mesmo os ânimos, racionalizar a análise e, efetivamente, 
    medir, uma-a-uma, as palavras, os vocábulos, orações, e períodos, que estão 
    introduzidos no PL e que serão, eles, e, não, os discursos inflamados, 
    considerados, digamos, matéria prima da aplicação da norma.
  
    
    
    Quem duvidar disso, veja, nesta semana, o que pôde representar, em termos de 
    alteração de cenários, a mudança da interpretação - e, com ela, da decisão - 
    sobre a incorporação Brt-Oi.
  
    
    Juízes lêem leis. Leis são 
    escritas. Vocábulos (de leis) têm sentido (semântico, ontológico, 
    axiológico, e, claro, tecnológico, quando de tecnologia tratem). E 
    parlamentares fazem leis.
  
    
    Aplicar é Julgar, valorar (as 
    expressões da lei).
  
    
    É simples (e complicado, ao 
    mesmo tempo).
  
    
    
    Centremos a atenção nas expressões, secas, do PL 84. É uma proposta. Verão o 
    quanto será mais tranquilo, mais calmo, mais seguro, menos euforizante, 
    menos angustiante, que o debate meta-legal (e quase-metafísico) que se quer 
    eclodir.
  
    
    
    Coisas (pacificadoras) como:
  
    
    a) o PL só formata crimes 
    dolosos, isto é, não haverá, por ele, possibilidade qualquer de incriminação 
    de condutas não-intencionais, ainda que implementadoras dos fatos nele 
    previstos (isso tira, do campo de sua abrangência, os incautos-inocentes, 
    nós, os praticantes de boa-fé das práticas eletrônicas, usuários "white-hat" 
    das redes e sistemas, ou de sistemas autorizados, como as redes P2P);
  
    
    
    b) todas as penas dos 11 novos crimes do PL, sem exceção, não 
    permitem prisão, recolhimento à Cadeia, como afirmam alguns, de pessoas 
    primárias, sem antecedentes (foram programadas/medidas para educar, 
    preventivamente, a todos, e não para encher cadeias de infratores primários; 
    todas elas comportam conversão, desde logo, em multa, restrição de outros 
    direitos que não a liberdade, em suspensão condicional do processo, em 
    "sursis", algumas, as de detenção, não autorizando sequer prisão em 
    flagrante);
  
    
    
    c) todos os deveres previstos no art. 22 do PL estão voltados para uma única 
    finalidade: a coleta de vestígios materiais dos crimes (chamamos, 
    tecnicamente, de corpo de delito); sem ele, sem a prova do crime, não há 
    razão lógica, sequer, para instituição dos crimes, porque não haverá 
    compromisso legal imponível a quem pratica o provimento do acesso, no que 
    diz respeito à preservação, prévia, dos dados meramente informativos da 
    origem da conexão (data e hora da passagem do sinal pelo equipamento 
    servidor da rede).
  
    
    
    Os que afirmam que as redes Wi-Fi, ou WIMAX, irão frustrar a previsão, ou 
    que haverá meios técnicos tais e quais para frustrar-se o rastreamento do 
    IP, navegam, desculmpem a sinceridade, sobre um sofisma, do ponto de vista 
    jurídico-penal e tecnológico: o de que, nestas, não haverá provimento de 
    acesso.
  
    
    Pois se, gramaticalmente até, 
    o art. 22 estatui obrigação administrativa (não é, sequer, obrigação penal; 
    não incrimina, por descumprimento, quem quer que seja) do provedor de 
    acesso, evidentemente, que, no máximo do provimento da rede wireless, 
    qualquer que seja esta, haverá a figura, a equipagem, e a estrutura da 
    conexão usuário/cliente-provedor, cabendo, a este, portanto, a 
    responsabilidade (insisto, de caráter meramente administrativa) pelo 
    registro dos dados da conexão, a partir da origem.
  
    
    Se não houver esta 
    possibilidade em determinado fato criminoso, simplesmente não se terá o 
    crime.
  
    
    Se não se consegue localizar o 
    autor ou pelo menos o dono da faca, do revólver, que causou a morte da 
    vítima, não há como punir ninguém, ainda que haja a morte, o cadáver, 
    estejam ali, latentes, provados. É regra antiga, que até a população 
    conhece...e quantos cadáveres, quantas mortes, quantos roubos, quantos 
    sequestros, quantos furtos, há, infelizmente, sem autoria apurada, por 
    dificuldades investigatórias as mais diversas.
  
    
    
    Pois o que programamos para o PL, no art. 22, foi o fornecimento, à 
    autoridade policial-investigatória, de um "minus", um piso, um mínimo de 
    condições de coleta material do vestígio do crime (eletrônico). Não é, nunca 
    foi, o seu propósito, a concessão do máximo (do teto) da possibilidade 
    investigatória...ela sim, seria utópica, ou realizadora de um grave 
    impedimento do uso da rede, pois teríamos que rastrear, que cadastrar, tudo 
    e todos...e pisar, para isso, na Constituição da República, que não permite 
    identificação prévia de nenhuma comunicação.
  
    
    
    Com esta ferramenta mínima, percentuais altos - de efetividade 
    investigatória - serão atingidos, porque, sabidamente, o maior espectro de 
    redes e utilizações contêm plena possibilidade de identificação da origem e 
    momento dos sinais da conexão.
  
    
    
    Finalizo com a ressalva, também, de que toda a estrutura normativa do PL não 
    está armada pelo gosto especial do legislador brasileiro por normatizar uso 
    de redes.
  
    
    Está sim motivada por um 
    crescente e preocupante fenômeno, que hoje obriga comprometimento de valores 
    expressivos da riqueza nacional - com aquisição de sistemas, estruturas e 
    prestações, em proteção de redes, bancos de dados (sensíveis, ou 
    sensibilíssimos, como os ligados à prestação de serviços públicos 
    essenciais) - que só serão inibidos, educados, com a adicional formatação de 
    instrumento inibidor da prática criminosa (o ataque intencional 
    cibernético).
  
    
    
    Quase meia centena de países, no mundo, já adotou a mesma medida e a eles o 
    Brasil se integrará, se e quando implementar o seu próprio arsenal 
    normativo.
  
    
    E, enquanto ele não vem, 
    arroubos, como o último PLS do Senado (CPI/Pedofilia) - que, este sim, 
    radicaliza, peço desculpas pela não menos radical afirmação, o controle da 
    rede - surgem aqui e acolá.
    É dizer: a discussão inflamada atrasa e permite que novas e mais radicais 
    opções de controle se proponham.
  
    
    
    Como disse lá no início, é o contra-ponto radical do radicalismo que se 
    transforma também em radicalismo.
  
    
    Enquanto não se promove uma 
    disciplina-mínima, piso, razoavelmente discutida há quase dez anos, 
    arrisca-se, aí sim, o próprio interesse coletivo-nacional, com inovações 
    repentinas, substitutivas e nem tão amplamente discutidas...o velho "tiro-pela-culatra"...e 
    nem de tiro se está, por enquanto, cogitando aqui...rs.