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29/09/11

• Anatel: "Fim da caixa preta" - por Mariana Mazza

Conteúdo anotado no Blog da Flávia Lefèvre - Artigo mais íntegra da Sentença:

Fonte: Band.com.br
[29/09/11]  Fim da caixa preta - por Mariana Mazza

Por 13 anos, a Anatel tratou com zelo irracional todos os processos contra as empresas de telefonia no país. Ao contrário do que manda a legislação, o sigilo sempre foi a regra dentro da agência reguladora das telecomunicações, privando a sociedade de ter acesso às investigações feitas sobre irregularidades praticadas pelas teles, empresas que têm concessão pública e, portanto, também devem explicações à população quando descumprem suas obrigações. Pois agora esse sigilo vai acabar. Mas não por decisão da Anatel e sim, da Justiça.

Há 10 dias, o juiz federal Francisco Donizete Gomes, da Justiça do Rio Grande do Sul, decidiu que a Anatel não pode mais dar sigilo integral aos processos que apurem irregularidades nas empresas. Esses processos são chamados de Pados, Procedimentos de Apuração por Descumprimento de Obrigações. Para se ter uma ideia, só no ano passado foram abertos mais de 3,8 mil Pados contra as empresas. Cada processo leva, em média, quatro anos para ser encerrado na agência.

O assunto foi parar na Justiça graças à Associação Nacional de Defesa e Informação do Consumidor - Andicom, indignada com a falta de transparência da Anatel. O juiz deu 60 dias para que a agência abra a caixa preta que se tornou a tramitação dos processos contra as teles. A agência também terá que arcar com os custos da ação, de R$ 5 mil.

A decisão da Justiça provocou uma reação interessante na Anatel. Hoje, o Conselho Diretor da autarquia decidiu que não vai recorrer da sentença. Por quê? Para dar a impressão (errada) à sociedade de que foi a própria agência que resolveu adotar procedimentos mais transparentes. Não questionar a decisão do juiz também terá um efeito colateral positivo para os membros da agência mais comprometidos com as empresas do que com o consumidor. Caso as empresas reclamem da abertura dos dados, a Anatel sairá com a "desculpa" de que foi a Justiça que mandou derrubar o sigilo.

Moral da história: foi preciso uma decisão judicial para que a Anatel adote a prática mais simples de transparência pública exigida pela legislação brasileira. E, depois de 13 anos de sigilo, ainda corremos o risco de ouvir que a abertura foi feita de livre e espontânea vontade da agência. Apesar disso, hoje é um dia a se comemorar. Em breve, os consumidores poderão saber não só os erros cometidos pelas companhias telefônicas, mas, especialmente, como a Anatel avaliou, e muitas vezes perdoou, as irregularidades. Para não ficar nenhuma dúvida sobre de onde partiu a iniciativa de quebrar o sigilo, confira aqui a íntegra da decisão da Justiça do Rio Grande do Sul.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 5007684-30.2010.404.7100/RS
AUTOR:
ANDICOM - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA E INFORMAÇÃO DO CONSUMIDOR
ADVOGADO:
JOSE DIONISIO DE BARROS CAVALCANTI NETO
RÉU:
AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES - ANATEL
MPF:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

SENTENÇA

I - RELATÓRIO.

Trata-se de ação civil pública, proposta pela Associação Nacional de Defesa e Informação do Consumidor - ANDICOM em face da Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL, por meio da qual a autora requer seja determinado à ré, inclusive em sede de antecipação de tutela, que dê publicidade a todos os Procedimentos de Apuração de Descumprimento de Obrigação - PADOs que perante ela tramitam. Busca, ainda, a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo e a responsabilização cível da ré, pelo não cumprimento dos prazos do processo administrativo previstos em seu regimento interno.

Na inicial, a autora informou que os PADOs são procedimento da ANATEL que investigam 'o descumprimento de obrigações assumidas pelas concessionárias no contrato de concessão, como também a violação de direitos do consumidor/usuários'. Disse que a ANATEL não dá publicidade aos PADOs, amparada no artigo 174 da Lei nº 9.472/97 ('Toda acusação será circunstanciada, permanecendo em sigilo até sua completa apuração') e no artigo 79 de seu Regimento Interno ('O PADO será sigiloso até o seu encerramento, salvo para as partes e seus procuradores'). Afirmou que ambos os dispositivos são inconstitucionais, por contrariarem os artigos 5º, XIV e XXXIII, e 37, caput, todos da Constituição Federal, violando os princípios da legalidade, da publicidade, da finalidade e da motivação. Defendeu a possibilidade de declaração de inconstitucionalidade em sede de ação civil pública. Sustentou a ocorrência de dano moral coletivo. Alegou que estão presentes os requisitos para a concessão da antecipação de tutela.

Foi determinada a intimação da ANATEL e do Ministério Público, para que se manifestassem sobre o pedido de antecipação de tutela (evento 8).

A ANATEL manifestou-se no evento 16, e o Ministério Público, no evento 20.

O pedido de antecipação de tutela foi indeferido, ante a ausência de risco de dano irreparável (evento 23).

Contra esta decisão, a autora apresentou embargos de declaração (evento 27), que foram rejeitados (evento 31).

Foi, então, interposto agravo de instrumento contra a decisão que indeferiu a antecipação de tutela, autuado sob o nº 5004740-15.2010.404.0000, o qual foi convertido em retido pelo relator.

Citada, a ANATEL contestou no evento 22. Preliminarmente, alegou: incompetência do juízo, porquanto o juízo competente seria o do local onde se localiza a sede da ré; ilegitimidade ativa, ante a ausência de pertinência temática entre o interesse tutelado e as finalidades institucionais da autora; litisconsórcio passivo necessário com todas as empresas e pessoas físicas do setor de telecomunicações, já que a divulgação dos PADOs poderia acarretar violação a seu direito à intimidade; impossibilidade jurídica do pedido, pois a ação civil pública não seria o meio adequado para se pleitear a declaração de inconstitucionalidade de ato normativo e o acolhimento do pedido implicaria violação ao princípio da separação dos poderes. No mérito, disse que nos PADOs há diversas informações sob sigilo comercial, o que impede sua divulgação pela administração. Afirmou que tais informações somente poderiam ser reveladas mediante ordem judicial. Argumentou que a divulgação de informações constantes dos PADOs poderia gerar especulações no mercado de ações. Informou que as decisões que aplicam sanções são tornadas públicas após o transcurso dos prazos recursais.

A autora replicou no evento 34, ocasião em que requereu a intimação da ré para trazer aos autos diversos documentos e informações referentes aos PADOs e a sua atuação fiscalizadora.

A ré apresentou contrarrazões ao agravo interposto contra a decisão que indeferiu a antecipação de tutela (evento 42).

O Ministério Público apresentou parecer no evento 46. Inicialmente, refutou as preliminares arguidas pela ré. No mérito, opinou pela procedência do pedido, encampando os argumentos da autora quanto à inconstitucionalidade do artigo 174 da Lei nº 9.472/97 e do artigo 79 do Regimento Interno da ANATEL. Sucessivamente, propôs interpretar-se o artigo 174 da Lei nº 9.472/97 à luz da Constituição Federal, de modo a concluir pela ilegalidade do artigo 79 do Regimento Interno e pela restrição do sigilo à fase apuratória dos PADOs.

O Ministério Público manifestou-se novamente no evento 47, ocasião em que juntou aos autos parecer oriundo da Procuradoria-Geral da ANATEL, que vai ao encontro das teses sustentadas pela autora.

Intimada para se manifestar a respeito, a ré informou que o parecer juntado pelo Ministério Público refere-se somente a um caso específico e não vincula a atuação da administração pública. Com base nisso, requereu o desentranhamento do parecer (evento 51).

O pedido de desentranhamento foi indeferido, assim como o pedido de produção de provas formulado pela autora em sua réplica (evento 54).

A autora interpôs agravo retido, impugnando a decisão que indeferiu o pedido de produção de provas (evento 60).

A ré apresentou contrarrazões ao agravo retido interposto pela autora (evento 65).

A decisão agravada foi mantida (evento 67).

É o relatório.

II - FUNDAMENTOS.

Competência.

Nos termos do artigo 2º da Lei nº 7.347/85, as ações previstas na referida Lei devem ser propostas no foro do local onde ocorreu o dano, cujo juízo tem competência funcional para processar e julgar a causa, portanto, de caráter absoluto, e não relativa, podendo ser argüida em preliminar (CPC, artigo 113), não se aplicando a súmula nº 33 do e. STJ., razão pela qual conheço da preliminar.

Nos termos do artigo 93, II, da Lei nº 8.078/90 - aplicável às ações civis públicas por expressa disposição do artigo 21 da Lei nº 7.347/85 -, a competência para o julgamento da causa, em se tratando de dano de âmbito nacional, é concorrente entre os Juízos do Distrito Federal e das capitais dos Estados.

Neste sentido:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPETENTE. ART. 93, INCISO II, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR.
1. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja consumidores de mais de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor.
2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR.
(CC 112.235/DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/02/2011, DJe 16/02/2011)

Em face do exposto, rejeito a preliminar.

Legitimidade ativa.

Conforme o artigo 5º, inciso V, letra 'b', da Lei nº 7.347/85, tem legitimidade para propor ação civil pública a associação que incluía, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao consumidor e à livre concorrência. Essa norma encontra fundamento constitucional no artigo 129, III, c.c. § 1º, que estabelece a legitimidade de terceiros, segundo o disposto na Constituição e na lei, para as ações civis públicas previstas naquele artigo, dentre elas para proteção dos interesses difusos e coletivos.

No estatuto da autora (evento 1, OUT3), lê-se que, entre seus objetivos primordiais, incluem-se 'promover a defesa de interesses e direitos protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor, aí incluída a proteção à saúde e segurança do consumidor, bem como a responsabilização pelo fato ou vício de produto e/ou serviço' (art. 4, II), 'prestar assistência, proteger e defender, assegurar direitos e garantias de cidadania dos consumidores de telefone fixo e celulares, água, gás e energia elétrica nos municípios, estados e em todo o Território nacional, e proporcionar-lhes melhoria efetiva no relacionamento com as concessionárias' (art. 4º, X) e 'atuar na defesa dos interesses dos consumidores nos serviços concedidos pela União, estado e Município' (art. 4º, XIV).

Logo, não há como negar que vai ao encontro das finalidades da autora a defesa dos direitos e interesses difusos à informação, de modo a permitir que os consumidores conheçam a apuração e repressão a eventuais infrações cometidas pelas concessionárias de serviços telefônicos.

Por outro lado, nesta ação não se trata da tutela de interesses ou direitos individuais dos associados da autora, situação na qual teria pertinência a alegação de falta de correlação entre o pedido formulado e a restrição subjetiva aos filiados da autora, senão de tutela do direito difuso à informação, de natureza transindividual e indivisível, conforme exposto pelo Ministério Público Federal em sua manifestação no evento 20. Portanto, não se aplica o artigo 5º, inciso XXI, da Constituição.

Litisconsórcio passivo necessário.

Nos termos do artigo 47, do CPC, há litisconsórcio necessário quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.

Os consumidores ou as pessoas jurídicas investigadas nos processos administrativos não são partes nesta ação porque em face dela não se faz qualquer pedido, e nem são elas as tutoras do sigilo estabelecido pela lei e pela norma infralegal nos processos administrativos, senão o órgão perante o qual tramita o processo administrativo que é, portanto, o único legitimado para ocupar o pólo passivo desta ação de forma necessária.

Indefere-se, portanto, a citação de todas as pessoas envolvidas nos PADOs - Procedimentos para Apuração de Descumprimento das Obrigações.

Possibilidade jurídica do pedido. Controle difuso de constitucionalidade.

A ré sustenta que o pedido seria juridicamente impossível, por ser inviável a declaração de inconstitucionalidade de ato normativo em sede de ação civil pública.

Contudo, é de se atentar para o fato de que, no presente caso, o pedido não é a declaração de inconstitucionalidade, mas a imposição de obrigação de fazer à ré, consistente em dar publicidade aos PADOs. A inconstitucionalidade do artigo 174 da Lei nº 9.472/97 compõe a causa de pedir. Não há óbice algum a que, em ação civil pública, assim como em qualquer outro procedimento jurisdicional, o juízo realize o controle difuso de constitucionalidade.

Ademais, não há como acolher a alegação de que 'não se pode admitir a ação civil pública contra comandos legais expressos, que apenas foram seguidos pela ANATEL, posto que é necessária a realização de um ato concreto de execução, com prejuízos aferíveis para que possa ajuizar demanda da espécie'.

Há, nos autos, correspondência enviada pela ré (evento 1, OFIC6), em que ela deixa claro que somente torna públicos os PADOs após seu encerramento. Além disso, a ré em momento algum negou que mantenha em sigilo os procedimentos. Vê-se, assim, que a ação não se volta contra lei em tese, mas, isto sim, contra a aplicação concreta de lei que a autora entende ser inconstitucional.

Afasto, portanto, a preliminar.

Possibilidade jurídica do pedido. Ausência de violação ao princípio da separação dos poderes.

Ainda a título de impossibilidade jurídica do pedido, a ré afirma que o acolhimento do pedido da autora implicaria violação ao princípio da separação dos poderes.

A preliminar merece ser afastada, pois a autora não busca que o Poder Judiciário avance sobre as atribuições da administração pública, mas que controle a legalidade e a constitucionalidade da atuação administrativa - exercício típico de poder jurisdicional.

Indeferimento da petição inicial. Responsabilização civil da ré por descumprimento de prazos.

No item h do rol de pedidos da inicial, a autora requer 'a responsabilização cível da ré, pelo não cumprimento dos prazos do processo administrativo previsto no regimento interno da ANATEL que será apurada e liquidação de sentença'.

O pedido não cumpre o requisito do artigo 286 do CPC ('O pedido deve ser certo ou determinado'). Além disso, não há, na fundamentação da peça, indicação de em que consistiria o alegado não cumprimento de prazos e em que consistiria a responsabilização da ré, o que implica violação também ao artigo 282, III, do CPC.

À vista disso, é inviável conhecer de tal pedido, que deverá ser formulado em ação autônoma.

Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações. Sigilo.

O artigo 5º, inciso LX, da Constituição, dispõe que 'a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem'. O inciso XXXIII, do mesmo artigo, ao seu turno, dispõe sobre o direito que todos têm de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Com efeito, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, LX, dispõe que 'a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem'.

Logo, se, tratando-se de processo judicial, inclusive penal - em que a possibilidade de lesão à honra e à privacidade é consideravelmente maior -, o sigilo somente é justificável excepcionalmente, por certo que, em se tratando de processo administrativo, o sigilo deverá ser medida ainda mais excepcional.

O artigo 37, caput, da Constituição, ao seu turno, dispõe que a administra pública indireta de qualquer dos Poderes da União obedecerá ao princípio da publicidade. A norma visa a possibilitar que a sociedade fiscalize e controle a atividade dos administradores.

Em nível infraconstitucional, o artigo 19 da Lei nº 9.472/97 estabelece a publicidade na atuação da ANATEL e o artigo 39 da mesma Lei o dever de garantia do tratamento confidencial das informações técnicas, operacionais, econômico-financeiras e contábeis que solicitar às empresas prestadoras dos serviços de telecomunicações, nos termos do regulamento.

Compartilho, portanto, da posição adotada pelo Ministério Púbilco Federal no sentido de que a publicidade e o acesso à informação impõe-se como regra da atuação da ANATEL, sendo o sigilo a exceção, cujos parâmetros são dados pela norma constitucional: defesa da intimidade, interesse social, segurança da sociedade e segurança do Estado.

Dispõe a Lei nº 9.472/97:

Art. 174. Toda acusação será circunstanciada, permanecendo em sigilo até sua completa apuração.

Por sua vez, assim dispõe o Regimento Interno da ANATEL:

Art. 79. O PADO será sigiloso até o seu encerramento, salvo para as partes e seus procuradores.

§ 1º O agente que, por qualquer forma, divulgar irregularmente informações relativas à acusação, ao acusado ou ao procedimento, incidirá em infração disciplinar de natureza grave, nos termos de legislação específica.

§ 2º A divulgação da instauração do procedimento não configura a quebra do sigilo de que trata o caput deste artigo.

O artigo 174 da Lei nº 9.472/97, inserido no capítulo das sanções administrativas, estabelece o sigilo até a completa apuração da acusação. O artigo 79 do Regimento Interno da ANATEL estabelece o sigilo do PADO até o encerramento do processo administrativo. Contudo, é importante ter em mente que os termos 'apuração da acusação' e 'encerramento do processo administrativo' não são equivalentes, pois o processo administrativo é posterior à fase de apuração

Como se lê no parecer nº 1440/2009/LBC/PGF/PFE-Anatel (evento 47, PAREC MPF2), firmado por dez Procuradores Federais e aprovado pela Procuradora-Geral da ANATEL, Dra. Ana Luiza Vieira Valadares Ribeiro, 'apuração da acusação, tal como prevista no art. 174, da LGT, há de ser entendida como todos os procedimentos, técnicas ou conjunto de diligências de que se vale os agentes de fiscalização da Anatel com o objetivo de obter a verdade sobre fatos ou condutas, visando determinar o cumprimento de obrigação por parte do administrado e subsidiar eventual instauração de processo sancionador' (fl. 16).

Inclusive, o Regulamento de Fiscalização da ANATEL, aprovada pela Resolução nº 441/06, define 'averiguação' (palavra que é sinônima de 'apuração') como 'conjunto de diligências, coleta e tratamento de dados que têm como objetivo a apuração da realizada sobre o ato ou fato investigado, local ou remotamente' (art. 3º, VI).

Ou seja: a apuração é fase anterior à instauração do PADO, que visa, justamente, verificar se há, na acusação, embasamento que justifique a instauração de procedimento administrativo.

Tal fato é deixado claro pelo artigo 15 do Regulamento de Fiscalização, que assim dispõe:

Art. 15. Para infração constatada em ação de fiscalização, deve ser emitido o
correspondente Auto de Infração.

Parágrafo único. O Auto de Infração deve instruir o respectivo Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações, não podendo ser revogado ou anulado, salvo se pela autoridade superior competente.

Portanto, recebida a acusação, ou havendo outro motivo que justifique a fiscalização, deve a ANATEL apurar o fato (fase em que impera o sigilo) e, sendo constatados motivos para tanto, instaurar o PADO - fase em que não há mais motivo jurídico para o sigilo.

Constata-se, assim, que o Regimento Interno da ANATEL padece de ilegalidade, pois extrapolou sua função de norma regulamentadora, ao ir além do que prevê a lei regulamentada. Enquanto a lei prevê o sigilo somente para a apuração, o regimento estende o sigilo também para o procedimento administrativo.

Diversamente do afirmado na inicial, portanto, não há inconstitucionalidade do artigo 174 da Lei nº 9.472/97. O que há é a ilegalidade do artigo 79 do Regimento Interno da ANATEL, o que leva à mesma conclusão jurídica defendida pela autora.

Quanto à alegação de que a tramitação em sigilo dos PADOs seria necessária para preservar a intimidade dos envolvidos, cabe transcrever trecho do já mencionado parecer nº 1440/2009/LBC/PGF/PFE-Anatel (evento 47, PAREC MPF2). Observo que, embora tal parecer não vincule a administração pública federal, como bem apontado na manifestação do evento 52, é de fundamental relevância para a compreensão da controvérsia, por expressar a visão de procuradores que, dada suas posições, possuem inegável conhecimento acerca da atuação da ANATEL. Feita a observação, passa-se à transcrição de parte do parecer:

'Imagine-se, por exemplo, a instauração de um processo sancionador em decorrência das seguintes situações: descumprimento de indicadores de qualidade e de obrigações de universalização; violações a direitos de usuários e normas de concorrência; obstrução à fiscalização da Anatel; ausência de licença, de autorização e não observância de normas técnicas para o funcionamento de determinado serviço de telecomunicações. Esses casos, corriqueiros no âmbito da atuação da Agência, em regra, não envolve o trato com quaisquer informações estratégicas, cuja divulgação possa trazer risco à segurança do país ou gerar algum dano à sociedade ou ao Estado.

Muito pelo contrário, a divulgação dessas informações é de amplo interesse público. Sem dúvida, é do interesse da coletividade ter acesso às informações relativas ao adequado funcionamento do setor de telecomunicações, notadamente, aquelas que permitam o exercício da cidadania e do controle democrático sobre a atuação dos agentes econômicos e, também, do ente regulador.

Em termos concretos, para ficar em um só exemplo, é direito assegurado aos consumidores e às suas entidades representativas saber se determinada operadora cumpre metas de universalização ou indicadores de qualidade, bem como ter conhecimento de como a Agência atua para reprimir - ou prevenir - tais práticas infracionais. O valor das multas, a celeridade do processo, os argumentos das prestados e, enfim, a efetividade da fiscalização são elementos que, dentre outros, devem ser tratados com a máxima publicidade.

De qualquer modo, na hipótese de os autos de um processo sancionador conter informações estratégicas relativas à segurança nacional, a autoridade competente deve estabelecer o sigilo, por decisão motivada e por prazo determinado, das informações e não do processo como um todo. É que o sigilo, nesse caso, é atribuído ao documento, que deve tramitar em apartado ou em envelope lacrado, e não ao processo, permanecendo como públicos os demais dados constantes dos autos, tais como a conduta infracional, a peça de defesa, as decisões administrativas, os recursos etc.

De outro lado, segredo protegido, afora os casos de segurança nacional, são aqueles estabelecidos em normas específicas, tais como o sigilo de dados bancários, de correspondências, de comunicações telegráficas e telefônicas (art. 5º, XII, CF). Os documentos juntados aos autos de um PADO que contenham informações como essas devem tramitar sob sigilo.
(...)
Por último, não há que se falar, ao menos em regra, em sigilo do PADO para proteção à intimidade de alguém. A intimidade se refere à esfera pessoal, particular e reservada, de determinada pessoa. É composta por aquelas informações que constituem o modo de ser e as escolhas relativas a questões como opção sexual, situação financeira, familiar, convicções religiosas etc. A proteção constitucional dessas informações justifica-se porque a sua divulgação pode causar constrangimentos ao indivíduo, maculando a sua imagem ou a sua honra.

Como a Agência não costuma instaurar PADOs em face de indivíduos - nem mesmo lidar com informações que digam respeito à intimidade das pessoas - e como as informações privadas das empresas foram tratadas no tópico anterior, não parece haver motivo para se estabelecer, a priori e como regra geral, o sigilo dos processos sancionadores a fim de proteger a intimidade de alguém'.

No mesmo sentido, assim se manifestou o Ministério Público (evento 46, PARECER1):

'De tudo se vê a inadequação da alegação da ANATEL em defesa de um direito à intimidade a ao sigilo deveriam preponderar sobre o princípio da publicidade quanto ao conteúdo dos PADOs. Tal tese, em realidade, subverte a regra constitucional, e toda a principiologia do direito administrativo de prevalência do interesse público sobre o particular. Ademais, sequer encontra fundamento fático na realidade usual dos fatos, pois muito raramente haverá algum direito à intimidade de consumidores revelado em algum PADO (não há direito à intimidade no exercício do direito de petição, a menos que solicitado), sendo inadmissível reconhecer tal direito à prestadora do serviço regulado no que respeita a tal prestação'. (grifos no original)

A partir disso, é fácil concluir que a tramitação de processo administrativo é medida excepcional, razão pela qual não pode ser transformada em regra pela administração.

Portanto, vedar, aprioristicamente, o acesso a procedimentos administrativos, em função de um hipotético risco à privacidade dos envolvidos, é medida que de não está de acordo com a ordem jurídica.

Tais considerações deixam claro que não assiste razão à ré em sua tese de que o sigilo dos PADOs se justificaria para preservar segredos comerciais e a intimidade dos envolvidos.

Não há, em absoluto, qualquer fato capaz de distinguir tão drasticamente os PADOs das demais modalidades de procedimentos administrativos. Logo, se nestas, assim como em toda atividade administrativa, a regra é a publicidade, não há motivo para que, em relação àqueles, se proceda de maneira diferente.

Estabelecido que os PADOs devem, em regra, ser públicos, resta, agora, verificar a extensão em que deve ser acolhido o pedido formulado na inicial.

A autora requereu fosse determinado à ANATEL que desse publicidade a todos os PADOs. Todavia, considerando a possibilidade de - em hipóteses específicas - haver, de fato, algum procedimento em que haja informações que não devam ser levadas a público, é importante ressalvar a possibilidade de, mediante decisão fundamentada, a administração determinar a tramitação sigilosa do procedimento, a fim de preservar o interesse social, a intimidade dos envolvidos (art. 5º, XL, CF) e a segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII, CF)..

Devem, ainda, ser mantidos em sigilo dados que sejam protegidos pela lei ou pela Constituição (dados bancários, correspondências e etc.) observada a disposição do artigo 64 do Decreto nº 2.338/97, que, regulamentando o artigo 39 da Lei nº 9.472/97, assim dispõe:

Art.64. A Agência dará tratamento confidencial às informações técnicas, operacionais, econômico-financeiras e contábeis que solicitar às empresas prestadoras de serviços de telecomunicações, desde que sua divulgação não seja diretamente necessária para:
I - impedir a discriminação de usuários ou prestadores de serviço de telecomunicações;
II - verificar o cumprimento das obrigações assumidas em decorrência de autorização, permissão ou concessão, especialmente as relativas à universalização dos serviços.

Tal fato, todavia, é importante deixar claro, não implica o sigilo de todo o procedimento, mas apenas das informações confidenciais, que deverão tramitar em apartado ou em envelope lacrado, conforme sugerido no acima citado parecer nº 1440/2009/LBC/PGF/PFE-Anatel.

Dano moral coletivo.

Na inicial, a autora requer, ainda, a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, afirmando que 'a agência reguladora negligenciou e prevaricou no exercício da função estatal que exerce, causando prejuízo e sofrimento aos consumidores por verdadeira omissão, acarretando transtornos e prejuízos a milhares de pessoas'.

Contudo, em que pese tenha ficado demonstrada a ilegitimidade da conduta da ré, entendo que o pedido não merece ser acolhido. Isto porque a condenação da administração pública ao pagamento de indenização por dano moral transindividual é medida que não se justifica, pois impõe à coletividade, que já foi vítima do dano, a obrigação de repará-lo.

Hipótese distinta é aquela em que a administração causa dano a um grupo determinado, ou determinável, de pessoas. Em casos assim, impõe-se a reparação do mal causado, devendo a coletividade, através da administração, indenizar os que foram lesados.

Contudo, não é este o caso dos autos, eis que não há como afirmar que certas pessoas tenham tido um prejuízo maior ou menor com a fiscalização deficiente das empresas concessionárias de serviços de telefonia, já que a atuação irregular da administração gera danos a todos, indistintamente.

Portanto, a condenação da administração ao pagamento de indenização, que reverteria ao fundo de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347/85, consistiria, na verdade, em mera realocação de recursos de uma atividade pública para outra, tarefa que não cabe ao Poder Judiciário.

Antecipação de tutela.

A Lei nº 7.347/85 já prevê, em seu artigo 14, que, nas ações civis públicas, os recursos, em regra, não possuem efeito suspensivo. Consequentemente, a prolação desta sentença, com o acolhimento do pedido principal da autora, já bastaria, por si só, para gerar a obrigação da ré de, independente do trânsito em julgado, desde já tornar os públicos os PADOs que perante ela tramitam.

Contudo, dadas as peculiaridades do caso, convém realçar que, além da fortíssima verossimilhança das alegações da autora - já exposta acima -, também foi comprovado, ao longo da tramitação do processo, o risco de dano irreparável, caso a medida não seja concedida logo.

Conforme exposto pelo Ministério Público, os PADOs têm tramitado de maneira morosa e ineficiente, mal que certamente é agravado pela impossibilidade de seu acompanhamento pelo Ministério Público, pelas entidades de defesa dos direitos do consumidor e pela sociedade em geral.

Transcrevo, a seguir, importante trecho do já citado parecer do Ministério Público:

'Apenas para ilustrar a inefetividade e o risco de prescrição dos PADOs da ANATEL referidos pela associação autora com informações de que tem conhecimento o Ministério Público Federal, dado que para ela certamente contribui a falta de transparência combatida nesta ação, convém levar ao conhecimento desse juízo alguns trechos do Relatório da Auditoria Operacional na ANATEL feita pelo Tribunal de Constas da União e aprovada pelo Acórdão n. 2109/2006, disponível no sítio eletrônico daquela Corte.

337. No Acórdão 1.778/2004 - Plenário, que resultou do trabalho de auditoria, o Tribunal fez uma série de determinações e recomendações à Anatel. Este fato foi registrado no relatório da Ouvidoria da Anatel para o período de junho de 2004 a junho de 2005, acostado aos autos: 'do Acórdão referido supra, vale trazer à baila que foi determinado à Anatel cumprir específicas providências com vistas à contribuição para a melhoria do desempenho das atividades fiscalizatórias. As principais cominações impostas à Agência dizem respeito aos Procedimentos para Apuração de Descumprimento de Obrigações (PADOs) e à falta de efetividade na tramitação dos processos, a fim de apresentar reformulação dos processos de fiscalização das obrigações de universalização'.
(...)
364. O poder de coercitividade da Agência para garantir que as empresas cumpram as disposições legais e obrigações contratuais está relacionado, entre outros fatores, à eficiência de seu processo de repressão às infrações identificadas no processo de fiscalização, incluindo a coerência, a tempestividade e a materialidade de seus atos sancionatórios. Essas dimensões são abordadas a seguir na descrição dos resultados encontrados pela auditoria.

Os PADOs não apresentam a tempestividade necessária para garantir a efetividade do processo sancionatório.
(...)
367. De acordo com os prazos estabelecidos no Regimento Interno, para situação de interposição de recursos e considerando todas as prorrogações previstas, o prazo máximo para a conclusão do PADO é de 320 dias. (...)

370. Não obstante os prazos máximos permitidos para tramitação dos PADOs (de até 320 dias) já serem dilatados, das entrevistas realizadas e da relação de PADOS relacionados à qualidade fornecidos pela SPB e SPV (fls. 20 a 192 do Anexo IX e dados encaminhados eletronicamente pela Anatel), observa-se que os prazos de tramitação, em sua maioria, são muito superiores aos previstos no Regimento Interno, sendo em muitos casos superiores a quatro anos.

371. Esse fato corrobora a posição apresentada no Relatório da Ouvidoria da Anatel de junho/2004 a junho/2005 (Anexo 27), em seu Capítulo X sobre o Poder Sancionador da Anatel, onde descreve a situação dos PADOs, salientando a grande demora na tramitação dos mesmos, e alerta para o risco de prescrição desses processos.
(...)
382. O dilatado prazo na análise e encerramento dos PADOs pode também extrapolar os prazos de prescrição afetos aos processos administrativos.

Somente neste ano a ANATEL está promovendo a revisão do regulamento da fiscalização, para o qual, como antes referido, o Ministério Público Federal já recomendou a revisão da regra de sigilo'. (grifos no original)

Logo, dada a certeza de que a publicidade na tramitação dos PADOs ajudará a amenizar o quadro acima descrito, impõe-se que a medida determinada nesta sentença seja desde logo cumprida.

III - DISPOSITIVO.

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, a fim de determinar que a ANATEL torne públicos os Procedimentos de Apuração de Descumprimento de Obrigação - PADOs que perante ela tramitam.

Ressalvo a possibilidade de, mediante decisão fundamentada, a ANATEL determinar a tramitação sigilosa de procedimentos específicos, a fim de preservar o interesse social, a intimidade dos envolvidos ou a segurança da sociedade e do Estado.

Ressalvo, ainda, a possibilidade de determinadas informações serem mantidas em sigilo, nos termos do artigo 64 do Decreto nº 2.338/97, ou a fim de preservar dados que sejam protegidos pela lei ou pela Constituição (dados bancários, correspondências e etc.), sem que isto implique o sigilo de todo o procedimento.

Concedo o prazo de 60 (sessenta) dias para que a ANATEL cumpra a medida.

Friso, desde já, que eventual discordância da autora, ou de outro legitimado, em relação à fundamentação que seja utilizada para determinar o sigilo de algum procedimento específico deverá ser veiculada em ação autônoma, a ser livremente distribuída, de acordo com as regras processuais de fixação da competência.

Condeno a ré ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), atualizados, pelo IPCA-E, a partir da data desta sentença. Para tanto, considerei o grau de zelo do procurador da autora e a natureza e a importância da causa (CPC, art. 20, § 3º, a e c). Considerei, ainda, por outro lado, a parcial sucumbência da autora e o fato de que a fixação em percentual sobre o valor da causa resultaria em montante por demais elevado.

Publique-se, registre-se e intimem-se.

Havendo recurso(s) tempestivo(s), tenha(m)-se-o(s) por recebido(s) no duplo efeito, exceto quanto a condenação da ANATEL em obrigação de fazer. Intime(m)-se a(s) parte(s) contrária(s) para apresentação de contrarrazões, no prazo legal.

Independente da interposição de recursos, remetam-se os autos ao TRF da 4ª Região, para reexame necessário.

Porto Alegre, 19 de setembro de 2011.

Francisco Donizete Gomes
Juiz Federal Titular

Documento eletrônico assinado por Francisco Donizete Gomes, Juiz Federal Titular, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.jfrs.jus.br/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7205159v5 e, se solicitado, do código CRC 5D8CAC3B.
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