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Fonte: Tele.Síntese
[16/12/10]   Redução do VU-M e benefícios para a sociedade - por Jorge Fagundes

Jorge Fagundes é doutor em economia e sócio da F&A Consultoria Econômica

Uma redução mais acentuada do VU-M não somente estaria em linha com as tendências internacionais, como seria positiva para a concorrência, não havendo impactos significativos sobre a penetração da base pré-paga no País.

O valor de remuneração de uso de rede (VU-M) das prestadoras de SMP (Serviço Móvel Pessoal), ou seja, a tarifa cobrada pela terminação das chamadas em aparelhos móveis, é objeto de intensa controvérsia há alguns anos no País. Entre 2002 e 2010, enquanto a TU-RL (tarifa de uso de rede local, isto é, tarifa de terminação das chamadas em aparelhos fixos) declinou cerca de 45%, o VU-M experimentou um acréscimo de aproximadamente 40%.

Algumas operadoras de SMP alegam que a manutenção de um VU-M elevado é condição necessária para a manutenção da base móvel pré-paga no Brasil, que representa 82% do total de linhas móveis no País, em linha com a média observada em outros países emergentes. Segundo tais operadoras, como os usuários desse tipo de serviço praticamente não realizam chamadas e, portanto, não geram receitas pelo uso do aparelho móvel, a única forma de mantê-los na rede móvel seria por meio das receitas de VU-M que os mesmos produzem ao receber as chamadas de outros aparelhos móveis ou fixos.

Não se pode negar que a manutenção do VU-M em patamares bem acima dos custos de terminação das chamadas em redes móveis foi um importante mecanismo de inclusão social no setor de telefonia. Atualmente, segundo a Anatel, o Brasil conta com praticamente 1 acesso móvel por habitante, tendo o mercado de telefonia móvel crescido a taxas superiores a 20% a.a. nos últimos anos. Segundo dados da PNAD-IBGE, 80% dos domicílios brasileiros possuíam, em 2009, acesso móvel.

Entretanto, dado o atual estágio de desenvolvimento do mercado móvel nacional, há fortes evidências de que o VU-M elevado não mais promove o bem estar social. Em outras palavras, a forte redução do VU-M nos próximos anos teria como resultado a geração de ganhos de bem estar para os consumidores, inclusive com benefícios para o setor de telefonia móvel brasileiro.

Em primeiro lugar, é preciso destacar que, contrastando com a elevada penetração das linhas móveis, encontra-se a baixa média de tráfego por usuário no Brasil. Segundo dados da Merrill Lynch, os usuários de telefonia móvel no Brasil falam em média somente 88 minutos por mês. Entre os países emergentes, o Brasil é o terceiro país com mais baixa média mensal. Por outro lado, o país é um dos que apresenta maior receita por minuto entre os países emergentes. Portanto, o mercado brasileiro caracteriza-se por elevada taxa de penetração domiciliar de telefonia móvel, mas com alta receita por minuto e baixa utilização do serviço propriamente dito, em particular do pré-pago.

Em segundo lugar, conforme estudos da Comissão Europeia, não há evidências de que o VU-M elevado seja condição necessária para a manutenção de uma ampla base pré-paga. Em diversos países europeus, altas taxas de penetração de pré-pagos coexistem com baixos VU-Ms. Por outro lado, a mesma Comissão aponta para o fato de que os preços das chamadas móveis são mais altos nos países em que o VU-M é mais elevado.

Aliás, note-se, nesse sentido, a existência de um amplo movimento de redução do VU-M nos últimos anos, promovido por diversas agências regulatórias em todo o mundo. Por exemplo, entre 2002 e 2008, o VU-M na Alemanha caiu cerca de 50%; no mesmo período, Coréia do Sul e México experimentaram reduções de 20% no VU-M, enquanto na Áustria e na Bélgica, tal queda, entre 2004 e 2008, foi de 70%.

Em terceiro lugar, o VU-M elevado também provoca fortes distorções competitivas, que prejudicam o usuário de telefonia fixa e drenam recursos das concessionárias de serviços telefonia fixa, de natureza pública, e, em última instância, da União. Com efeito, com o incremento da substituição da chamada fixa pela chamada móvel, as operadoras de SMP e de STFC (serviço de telefonia fixa comutada) competem pela originação das chamadas. Sendo o VU-M um insumo para a chamada fixo-móvel, as operadoras de STFC são simultaneamente comprimidas pelo elevado valor da terminação móvel nas chamadas fixo-móvel e pelos baixos preços das chamadas móvel-móvel dentro das redes das operadoras de SMP (chamadas on net), viabilizadas pelo fato de que não há pagamento de VU-M nas chamadas on net. Nesse sentido, recentemente a SDE – Secretaria de Direito Econômico – recomendou a condenação da Vivo, Claro e TIM por práticas anticompetitivas no mercado de originação de chamadas fixas e móveis para telefones móveis.

Finalmente, a queda do VU-M, ao contrário do alegado por algumas operadoras de SMP, não colocaria em risco a manutenção da base pré-paga no País. Pelo contrário, tal queda permitiria a redução dos preços das chamadas móveis-móveis e fixo-móveis, gerando maior tráfego remunerado para o setor de SMP e estimulando, portanto, o uso das linhas pré-pagas por parte de seus usuários. Além do mais, esse estímulo na demanda pela utilização das linhas móveis traria maiores receitas de uso para as operadoras de SMP como um todo, compensando a eventual – caso não haja um incremento do tráfego fixo-móvel superior a redução do VU-M – perda de receitas de VU-M. Observe-se que a queda do VU-M ainda viabilizaria uma maior competição entre as operadoras de SMP, posto que, com tarifas de terminação menores, as vantagens de uma grande rede tendem a ser menores: os preços das chamadas off net tende a se aproximar das chamadas on net.

Poder-se-ia argumentar que se a redução do VU-M implica maiores lucros para o setor de SMP nacional, por que algumas operadoras ainda resistem à idéia? A resposta nos parece clara: atualmente, o mercado encontra-se num equilíbrio “perverso”, em que é mais cômodo garantir receitas por meio de um VU-M elevado, sobretudo pela extração de rendas do STFC. Com efeito, a diminuição do VU-M implicaria uma decisão estratégica de cada operadora a respeito dos novos níveis das tarifas on e off net. Por sua vez, tal decisão, obviamente diferenciada para cada operadora, geraria novos preços relativos entre as firmas, com possíveis reflexos em termos de suas lucratividades e participações de mercado individuais. Em outras palavras, embora as receitas do setor aumentassem, poderia existir perdedores e ganhadores nesse processo.

Conclui-se que a redução mais acentuada do VU-M não somente estaria em linha com as tendências internacionais, como também seria positiva para o bem-estar social e para a concorrência, não havendo impactos significativos sobre a penetração da base pré-paga no País, cuja manutenção é do interesse das operadoras móveis mesmo com receitas totais líquidas de VU-M eventualmente mais baixas.