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Leia na Fonte: ClippingMP - Origem: Valor Econômico
[25/10/12]  Aumentar a competição sem desestabilizar os usuários - por Arthur Barrionuevo

Arthur Barrionuevo é professor da FGV-SP, especialista em concorrência e regulação.

A nova versão do Plano Geral de Metas de Competição (PGMC) da Anatel, a ser votado em 1º de novembro, é um grande avanço em relação à versão anterior no que se refere ao diagnóstico dos mercados de telecomunicações. Todavia, a implementação de algumas das novas proposições do PGMC atrapalharão o desempenho do setor de telefonia móvel. Duas dessas medidas são a convergência entre preços de ligações entre usuários da mesma operadora ("internas") e entre usuários de operadoras diversas ("externas") e a diminuição abrupta da remuneração do uso das redes por terceiros (a operadora que recebe a chamada de um assinante de outra operadora aufere um valor chamado VU-M, Valor de Uso da rede Móvel, pelo uso de sua rede).

Dependendo da implementação, o resultado de tais medidas será o aumento de preços nas ligações "internas" e o desequilíbrio econômico-financeiro das operadoras, tornando não rentáveis investimentos para a melhoria de qualidade e a disseminação do 3G e 4G, o que poderá implicar atraso tecnológico e retrocesso do setor de telecomunicações no Brasil (preços altos, má qualidade, etc.).

Deve-se considerar também o efeito "cama d"água" - quando se pressiona um colchão d"água para baixo em um ponto, ele sobe em outro - logo, a redução do valor das ligações "externas" e da VU-M pressionará para cima os preços das ligações "internas", utilizadas especialmente pelos consumidores de baixa renda. A diminuição abrupta da receita de VU-M, dada sua importância para as operadoras, deve reduzir fundos para investimento.

Método proposto foi abandonado na maioria dos países por não ser transparente e gerar distorções concorrenciais

Hoje no Brasil existem 258 milhões de linhas de celular ativas, das quais 210 milhões são pré-pagas. Há grande número de usuários, especialmente entre os de renda baixa, que possuem vários "chips" em seu terminal, o que lhes permite reduzir significativamente os gastos com celular, fazendo principalmente ligações "internas" que têm valor até 10 vezes menor do que ligações "externas".

É válido o objetivo da Anatel de reduzir a diferença entre o preço das ligações "interna" e "externa" e, para reduzir a diferença entre esses preços, o valor da VU-M deve convergir para o seu custo de longo prazo. Sem a redução, a ligação "externa" que gera esse custo tem um obstáculo para se aproximar do valor da ligação "interna". Tais medidas reduzem a distorção existente hoje, em que os usuários de uma operadora são como uma espécie de clube, em que só os sócios falam entre si.

Todavia, há o outro lado da moeda. A fidelização trouxe vantagens ao usuário, como a queda do preço da chamada "interna". Houve significativo aumento de tráfego, demonstrando a real inclusão da população de baixa renda que passou a utilizar bem mais minutos de ligação. Hoje 80% das ligações são "internas", cursados na mesma operadora. O valor mais alto da VU-M, por sua vez, dotou as operadoras de fundos para expandir a rede e o número de usuários, sem que fosse necessário aumentar os preços aos assinantes.

As diretrizes da Anatel são corretas, o problema é "como" implementá-las, reduzindo as distorções apontadas sem eliminar os ganhos que o sistema atual propiciou. Se a Anatel obrigar a rápida redução da VU-M e a redução do preço das chamadas "externas", teremos o efeito "cama d"água", provocando aumento do preço da chamada "interna", prejudicando os milhões de usuários de menor renda que utilizam vários "chips".

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) - 2009, nas regiões Norte (49%) e Nordeste (45,4%), menos da metade da população possui celular. Além disso, aqueles que já têm, teriam que diminuir os minutos de uso, reduzindo seu bem-estar.

A União Europeia, quando promoveu a convergência de suas VU-Ms para o custo de longo prazo, escalonou em quatro anos esta mudança, permitindo a adaptação das empresas, minimizando os impactos sobre os preços das chamadas "internas".

No novo PGMC, a Anatel quer reduzir a VU-M de maneira abrupta, reintroduzindo para seu cálculo o método Bill and Keep (BAK), que vigorará até que seja calculado o custo do uso da rede, que definirá a partir daí a VU-M. São muitas, e profundas, mudanças para um prazo curto. Este método provocará um desconto imediato no valor da VU-M, impactando as receitas e o equilíbrio das operadoras.

Além disso, esse método foi abandonado na maioria dos países (no Brasil em 2006), por não ser transparente e gerar distorções concorrenciais. Reintroduzi-lo agora, quando as operadoras precisam se adaptar a um valor mais baixo da VU-M, não é uma boa política. É contraditório também buscar eliminar os problemas dos preços de chamadas "externas" com um método que gera outras distorções. Muito mais adequado parece ser um escalonamento da redução, como fez a União Europeia.

Também a aproximação forçada de preços de chamadas "internas" e "externas" engessa desnecessariamente o mercado. Pode-se usar instrumentos de defesa da concorrência e regulatórios como a repressão a preços de chamadas "externas" muito elevados que impeçam a concorrência de novas empresas e o controle regulatório de preços de chamadas "internas" que não cubram sequer o custo gerado pela chamada, prejudicando a saúde do setor.

São medidas que atingem o mesmo objetivo da Anatel, sem seus problemas. Na UE, a própria concorrência aproximou ligações "internas" e "externas", quando a VU-M diminuiu.

Fica como contribuição à reflexão, para complementar diagnósticos e objetivos da Anatel, a proposição de formas de implementação que não causem um terremoto no setor, prejudicando usuários e operadores.