FERNANDO NETO BOTELHO

TELECOMUNICAÇÕES - QUESTÕES JURÍDICAS

Fevereiro  2007               Índice (Home)


21/02/07

Joost: TV via internet criada pelos inventores do Skype e KaZaA

----- Original Message -----
From: Fernando Botelho
To: Celld-group@yahoogrupos
Sent: Wednesday, February 21, 2007 1:43 AM
Subject: [Celld-group] Fw: [wireless.br] Leituras de Carnaval (03) - Joost: TV via internet criada pelos inventores do Skype e KaZaA

Prezado Hélio,

Lendo sobre o Joost (já, aliás, inscrito, também, como um beta-tester), ocorreu-me uma certa repercussão interna-brasileira que já podemos adiantar - afinal, em termos de inovação impactantes, não há como afastar os sempre presentes entraves formais-regulatórios que não conseguem acompanhar a velocidade das inovações.
Tento compartilhar aqui o insight.

É que a base conceptiva do Joost é a transposição de sinais de imagem e som recebidos por radiodifusão - broadcasting - para redes IP. Até aí, tudo bem, do ponto de vista tecnológico.
O problema que surge, como peculiaridade da realidade brasileira, reside no fato de que tem havido uma densa discussão sobre possibilidades de broadcasting de imagens e sons por redes IP (pela Internet).

A discussão decorre da sectária separação (jurídica, mercadológica, regulatória, normativo-constitucional e legal) que se estabeleceu, historicamente, entre as atividades/indústrias de radiodifusão e telecomunicações, como se, ontologicamente, esses termos e seus conhecidos alcances semânticos e materiais pudessem ser cindidos.

Radiodifusão de imagens e sons, no Brasil, não constituem telecomunicações!
Parece incrível dizer isso, mas não há outro jeito de fazê-lo - mais complicado é explicar isso fora...rs

É o que está dito na Constituição Federal, que separa os dois assuntos nos arts. 223 (radiodifusão) e 21, XI (telecomunicações).
Tanto está dito Lá (na Constituição) que também a LGT - a Lei Geral das Telecomunicações - em seus específicos arts. 211 e 215, I, retirou, cautelosamente, "de si", ou seja, de seu espectro normativo, todo e qualquer comprometimento com a disciplina da radiodifusão, deixando-a, textualmente, não só com o Poder Executivo (concessão e administração, portanto, centralizadas) mas conservando-a sob disciplina legal de quarenta anos atrás (a Lei 4.117/62 - antigo Código Brasileiro de Telecomunicações).

Assim, a Lei Geral "das telecomunicações", 35 anos depois de editado o antigo Código, só o modernizou para atividades que não se confundissem com broadcasting de imagens e sons; quanto a estas, manteve o antigo sistema e a sua antiqüíssima normatização.

Pois bem. O problema surge - e ele surge cada vez com maior freqüência, em razão da convergência galopante de tecnologicas, que não permitem mais esse separatismo do passado, pois serviços e aplicações se juntam em únicas vias - quando se põem a transportar imagens e sons sinais que trafegam sobre redes IP ou sobre redes que não integram as de TV (principais ou ancilares).

Nem o recente alerta feito por Bill Gates, quanto à sobrevida quinquenal desta separação no mundo, parece ter abalado as coisas por aqui.
Pois agora, penso, surge o Joost e seu poder de absorção das imagens e sons radiodifundidas justamente para o empacotamento e re-difusão pelas redes IP da grande teia.

Como realizar isso no Brasil, imagino, com todo o caudal cultural-histórico normativo de separação ?
Só para que tenhamos uma idéia revificada desse problema, quando da regulamentação dos SCM-Serviços de Comunicação Multimídia (a famosa edição da Resolução 272/2001), o art. 67 da Resolução fez surgir uma sorte de questionamentos no âmbito da ANATEL e junto a players de telecom e de radiodifusão.

A "solução" encontrada - se é que se pode considerá-la assim ! - foi a edição, pela ANATEL, de uma atípica Súmula (Súmula 006/2002) destinada a interpretar o art. 67 (quer dizer, a norma regulatória foi, já no nascimento, interpretada pela própria agência que a editara, em razão da perspectiva de surgimento de imensos "conflitos" entre as atividades clássicas de radiodifusão e as inovadoras práticas da então recém-inaugurada comunicação multimídia).

Qual foi a interpretação dada pela Súmula 006/2002 ? A de que, em razão de todo o separatismo e sua história, somente passaria, como passou de fato, a ser admitida a prática multimídia destinada a difusão restrita - narrowcasting - de imagens e sons. Embora não tenha a Súmula conseguido, por óbvio, delimitar este alcance restrito - aliás, nem aquele outro, amplo, vedado por ela ao SCM - ficou claro, já ali, o que constitui, no país, a tradicional separação radiodifusão-telecomunicações.

Dito isso, retomo, novamente, o insight, compartilhando-o com a comunidade: e, agora, com o Joost ? Como fica a realidade vaticinada por Gates ?
Como ficarão os serviços brasileirios - de imagem e som - diante desta restrição toda ? Ou melhor, como ficará a restrição toda com uma tecnologia que irá "abocanhar" programações inteiras de redes radiodifusoras de imagens - e, pelo que está dito, após satisfazer os respectivos copyrights - e difundi-las por sinal que trafegará por redes IP não hierarquizadas e não sujeitas a restrição técnica de tráfego ?
Como fazer valer restrições da radiodifusão no Brasil ?
O que vingará: a força da Constituição e de suas leis (separatistas) ou a realidade inovadora-tecnológica do Joost ?
Alguém deixará de receber sinais WEB repletos de conteúdos da grade de TVs abertas ou, até, das fechadas (TVAs), que podem ser programados, copiados, parados, etc., e com os quais se permita plena interatividade
Fica a incerteza....(abaixo, para quem se interessar, a íntegra da Súmula 06).
Abs.,

Fernando Botelho
E-Mail: fernandobotelho@terra.com.br
Web Page: http://www.wirelessbrasil.org/fernando_botelho/fb01.html

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AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES

SÚMULA N.º 006, DE 24 DE JANEIRO DE 2002

O CONSELHO DIRETOR DA AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES –

ANATEL, no uso das atribuições que lhe foram conferidas pelo artigo 22 da Lei n.º 9.472, de 16 de julho

de 1997, e pelo artigo 35 do Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, aprovado pelo

Decreto n.º 2.338, de 7 de outubro de 1997,

CONSIDERANDO que o Serviço de Comunicação Multimídia, cujo regulamento foi aprovado pela Resolução n.º 272, de 9 de agosto de 2001, é caracterizado pela oferta de capacidade de transmissão, emissão e recepção de informações de qualquer natureza, distinguindo-se expressamente do Serviço Telefônico Fixo Comutado destinado ao uso do público em geral (STFC), do Serviço de Radiodifusão, do Serviço de TV a Cabo, do Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal (MMDS) e do Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura via Satélite (DTH);

CONSIDERANDO que o Serviço de Comunicação Multimídia foi ins tituído com o objetivo de simplificar o arcabouço regulatório, substituindo, nos termos do artigo n.º 214, Inciso I, da Lei n.º 9472, de 1997, a regulamentação de serviços já existentes – Serviço Limitado Especializado, nas submodalidades Serviço de Rede Especializado e Serviço de Circuito Especializado, e os serviços por Linha Dedicada, de Rede Comutada por Pacote e de Rede Comutada por Circuito que compõem o Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações – por um único texto regulamentar;

CONSIDERANDO que o sinal transportado pelo Serviço de Comunicação Multimídia não é destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral como o do Serviço de Radiodifusão e, também, não é distribuído de forma simultânea para os assinantes, como os dos serviços de TV a Cabo, MMDS e DTH;

CONSIDERANDO que o disposto no artigo 67 do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia define condição, já contemplada em serviços substituídos, em que é permitido o fornecimento de sinais de vídeo e áudio, de forma não permanente e por meio de contrato específico ou pelo pagamento por evento, observadas as definições dos serviços de TV a Cabo, MMDS e DTH;

CONSIDERANDO que compete à Anatel deliberar na esfera administrativa quanto à interpretação da legislação de telecomunicações, conforme disposto no inciso XVI do artigo 19 da Lei n.º 9.472, de 1997;

CONSIDERANDO deliberação tomada em sua reunião n.º 192, realizada em 23 de janeiro de 2002,

RESOLVE editar a presente Súmula:

“A prestação do Serviço de Comunicação Multimídia não admite a transmissão, emissão e recepção de informações de qualquer natureza que possam configurar a prestação de serviço de Radiodifusão ou de serviços de TV a Cabo, MMDS ou DTH, assim como o fornecimento de sinais de vídeo e áudio, de forma irrestrita e simultânea, para os assinantes, na forma e condições previstas na regulamentação daqueles serviços.”

Esta Súmula entra em vigor na data de sua publicação.
RENATO NAVARRO GUERREIRO
Presidente do Conselho

 


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