FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
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Novembro 2012              Índice Geral


11/11/12

• Internet: Um espaço público ou um ambiente de negócios? - por Flávia Lefèvre

Os atuais debates a respeito da neutralidade das redes e a proximidade da Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais, que acontecerá no próximo mês de dezembro, têm trazido debates acalorados entre representantes de organizações da sociedade civil ligadas aos direitos à comunicação, aos direitos do consumidor, operadoras de serviços de telecomunicações e governo.

Antes de tudo, é bom que fique claro que aqui ninguém é ingênuo e sabemos que o tema envolve  interesses econômicos astronômicos.

Mas isso não quer dizer que a internet se restrinja a ser um “um grande ambiente de negócio global de centenas de bilhões de dólares, onde ninguém dá almoço grátis”, como disse o Ministro Paulo Bernardo em entrevista publicada no site Convergência Digital.

Movimentos sociais x Teles na briga pela neutralidade

Habilmente, as teles com seus gigantescos poderes econômicos conseguiram vincular a discussão da neutralidade das redes à discussão sobre a alteração no modelo de cobrança pelo acesso a elas. A proposta é que se deixe de cobrar pela capacidade de tráfego para quantidade de banda utilizada.

E, para justificar a mudança, espertamente começaram a utilizar um argumento para fisgar os incautos: as teles dizem que não é justo (como se elas se preocupassem muito com a justiça) que o Google, Netflix, Facebook, entre outras grandes empresas de conteúdo, paguem pelo acesso às redes o mesmo que o consumidor residencial paga. Isto talvez até seja verdade. Mas não o suficiente para alterar o modelo geral de cobrança.

A vigorar o que pretendem as teles,  a grande questão é a seguinte: a partir do momento em que essas grandes empresas de conteúdo passarem a pagar mais, obviamente passarão a ter tratamento diferenciado em relação aos pequenos consumidores; seus tráfegos serão privilegiados. E, mais, o que pagarem a mais para as teles vão repassar para nós consumidores, já que, como bem lembrou o Ministro naquela entrevista, não temos almoço grátis.

Ou seja, os entraves recentes para a aprovação do Marco Civil da Internet, que chegaram ao ápice no último dia 7 de novembro, decorrem do embate entre as forças econômicas do mercado e as forças sociais. Esse embate é saudável!

O que não é saudável é o jogo baixo daqueles que fazem um discurso para parecer que estão defendendo a neutralidade das redes, mas, na verdade, estão urdindo a forma mais eficaz para evitar que esse direito de materialize.

E, nesse sentido, sabemos que puxar para a ANATEL a competência para regulamentar a neutralidade da rede é o mesmo que dizer: esse direito vai sempre ficar no campo do desejo e da imaterialidade e, quando for regulado, as teles terão sempre primazia.

Podemos afirmar isso com base em experiências concretas que valem ser lembradas: Modelo de custos atrasado há mais de sete anos e falta de revisão tarifária depois de 14 anos de privatização; omissão na regulação para definição de um teto para O VU-M; regras de compartilhamento de redes editadas somente neste último mês e concedendo às teles um “feriado regulatório” de 9 anos para o compartilhamento das redes de alta capacidade ... tem muito mais; é que estes dois estão intrinsecamente ligados ao tema deste artigo.

Nesse contexto, a fala do Ministro Paulo Bernardo chamando de “toscas” as preocupações dos movimentos sociais para evitar que a lei a ser editada venha a beneficiar ainda mais as teles é inadequada tanto quanto sua afirmação afoita de que a internet é um grande ambiente de negócios, sem deixar muito evidente a preocupação que o Estado brasileiro deveria ter de garantir que a internet funcione como um grande espaço público, com normas que regulem seu uso trazendo mecanismos para que este espaço esteja voltado primordialmente para o cumprimento de políticas públicas em favor do desenvolvimento econômico e social do país e não para viabilizar sua apropriação indevida para o atendimento de interesses privados de empresas e partidos políticos.

A carta da PROTESTE a ANATEL

Considerando que cabe a ANATEL representar o Estado brasileiro nos organismos internacionais de telecomunicações, em razão do que atuará na CWTI-2012, a PROTESTE enviou no último dia 3 de novembro onde deixou consignada sua posição quanto a governança da internet e o financiamento das infraestruturas necessárias para o atendimento da demanda mundial. [Ver transcrição da Carta mais abaixo ou fazer download original aqui]

Transcrevo parte da carta:

(...)
III – GOVERNANÇA DA INTERNET - DIREITO QUE DEVE SER PRESERVADO PARA CADA PAÍS

11. Ainda que a internet não deva estar dividida em esquemas nacionais, pois a interconexão entre as infraestruturas e um sistema internacional de funcionamento é que propicia o caráter aberto da rede e a ampliação do direito à comunicação, entendemos que aspectos de governança relativos aos direitos e limites do USO das redes devem ser preservados, respeitando-se as diferenças culturais, sociais, econômicas e políticas de cada nação.

12. Entendemos que a regulação internacional deva se restringir à questões de arquitetura das redes, a fim de garantir que a internet possa operar como espaço público internacional e não discriminatório, baseada em padrões abertos, fundamentados especialmente no princípio da neutralidade das redes.

13. É necessário que novas regras garantam o fluxo livre e não discriminatório de informações, independentemente da infraestrutura pela qual trafeguem, evitando-se o controle na circulação de conteúdo, característica esta intrínseca a internet e que propiciou seu desenvolvimento, sua difusão e seu caráter essencial para a livre manifestação e para a comunicação.

IV – FINANCIAMENTO DA INFRAESTRUTURA DE TELECOMUNICAÇÕES - AMEAÇA À DEMOCRACIA

14. O tráfego cada vez maior na internet em todo o planeta tem levado à necessidade de grandes investimentos em infraestrutura, em razão do que se abriram debates sobre como financiar esse necessário crescimento, o que tem sido alvo de debates na UIT.

15. Invocando esta justificativa, os grandes grupos econômicos que operam no setor de telecomunicações têm pressionado a UIT a fim de alterar o modelo de cobrança do uso da rede, que hoje se dá com base na capacidade de transmissão contratada, para que se passe a cobrar pela quantidade de banda utilizada.

16. No fundo, os grandes grupos econômicos pretendem obter financiamento privado, compartilhando com as grandes empresas de conteúdo e serviços sob demanda, tais como Google, Facebook, Netflix, entre outros, os custos necessários, pois sabem que o financiamento público implicará em condicionamentos administrativos que vão de encontro com seus interesses privados.

17. Ou seja, o modelo pretendido pelos grandes grupos econômicos representa risco efetivo ao caráter democrático das telecomunicações, bem como à liberdade de expressão e comunicação na internet.

18. Isto porque é claro que as empresas de conteúdo com maior poder econômico que se associem aos operadores dos serviços de acesso à rede passarão a ter seus tráfegos privilegiados, com a restrição do alcance dos conteúdos de outras entidades e, portanto, pondo em grave risco a neutralidade da rede, o direito de comunicação, à liberdade de expressão e a inovação.

19. Nessa direção e afinados com a premissa de que o acesso à internet é um direito fundamental, entendemos que é papel precípuo dos Estados, mesmo que em parceria com a iniciativa privada – seja em regime de concessão ou de autorização, o financiamento da implantação de infraestruturas com o estabelecimento de contrapartidas administrativas, garantindo o poder de soberania sobre as redes essenciais para o cumprimento de finalidades vinculadas com o desenvolvimento econômico e social e com o interesse público objeto de políticas públicas.

20. Entendemos que às empresas pode se atribuir a liberdade regulada para contratar serviços com os mais diversos mercados consumidores.

21. Todavia, neste momento em que há demanda de mais de US$ 800 bilhões de investimentos para os próximos 5 anos, como estimado pela UIT, os Estados devem estar comprometidos com o financiamento das redes, impondo os condicionamentos e contrapartidas ao setor privado, e, especialmente, voltados para o controle do processo de implantação de infraestrutura, com o objetivo de evitar mecanismos discriminatórios, como temos assistido no Brasil, onde as regiões mais pobres estão sofrendo com a falta de redes de acesso à internet.

22. Não acreditamos que a realização dos investimentos necessários por parte exclusivamente da iniciativa privada, orientada pela lógica do mercado e do lucro, trará os resultados da universalidade e modicidade tarifaria, fundamentais para que se alcance o respeito ao direito humano fundamental de acesso às redes”. (...)

O Governo Dilma e seu olhar sobre a internet

Ou seja, talvez o governo Dilma esteja minimizando e, por isso, negligenciando o trato da regulação da internet.

Deixar exclusivamente à iniciativa privada a decisão sobre investimentos em infraestrutura é temerário e, ao meu ver, inconstitucional (art. 21, inc. XI e 175, da Constituição Federal), na medida em que o Estado brasileiro no modelo defendido pelo Governo perde o poder de gestão sobre redes que, ainda que integrem o patrimônio de empresas privadas, têm natureza inequivocamente pública.

E pior, ignorar que as redes de infraestrutura criam um novo espaço de exercício de direitos e, ao invés de atuar no sentido de estruturar um marco legal fazendo analogia com o meio ambiente e com os outros espaços públicos, restringir o olhar de modo a só enxergar a internet como um espaço de negócios, é lançar-nos num ambiente selvagem, que nem o Governo do Presidente Fernando Henrique Cardozo ousou fazer quando promoveu as privatizações.

A competência para regulamentar lei federal – art. 84, inc. IV, da CF

O Ministro Paulo Bernardo, que chamou de “toscas” as preocupações dos movimentos sociais, com sua soberba de dar coletiva de imprensa cantando uma vitória (friso: vitória pessoal) antes da aprovação do projeto de lei do Marco Civil na Câmara Federal, terminou por contribuir para que a nova lei venha mais forte e sem dar margem de dúvidas de que a competência para regular a neutralidade é do Poder Executivo, como determina o art. 84, da Constituição Federal.

Importante e divertida a coluna de Mariana Mazza intitulada "Entrevista de Ministro derruba votação do Marco Civil", nos faz pensar o quanto as vaidades interferem para o mal e para o bem nos rumos da história.

As circunstâncias, então, agiram para que o Congresso atue e para que se respeitem as regras de direito administrativo de acordo com as quais essa competência do Poder Executivo não pode ser delegada para baixo.

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.

Ademais, a regulação da neutralidade das redes é matéria de política de telecomunicações e, portanto, absolutamente fora da esfera de atribuições da ANATEL. Ou seja, a ANATEL não pode regular a neutralidade das redes.

Para terminar, sugiro aos amigos que reflitam muito sobre o assunto, que é da MAIOR importância e sugiro que leiam também artigo de Gustavo Gindre publicado em seu blog: “Regular a Internet – Necessidade ou Heresia?"

Abraço a todos!

Fávia Lefèvre Guimarães

[Abaixo estão as transcrições das matérias citadas no texto]


A carta da PROTESTE a ANATEL

São Paulo, 3 de novembro de 2012
A
Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL
REF.: PARTICIPAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO NA CMTI-12

A PRO TESTE – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, entidade civil sem fins lucrativos, instituída em 16 de julho de 2001, membro da Euroconsumers e integrante da Consumers International, hoje com mais de 260 mil associados, vem apresentar sua manifestação, tendo em vista a próxima Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais 2012
(CMTI-12), que ocorrerá no próximo mês de dezembro da qual o Brasil participará, nos seguintes termos:

I – INTRODUÇÃO – BANDA LARGA – DIREITO FUNDAMENTAL

1. Antes de tudo, queremos deixar consignado que nossas considerações são feitas com base na premissa já fixada pelo Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas
de que, assim como a liberdade de expressão na internet, o acesso às redes de telecomunicações também se constitui como direito humano fundamental a ser protegido por todos os países.

2. Entendemos que qualquer discussão a respeito da fixação de novas orientações internacionais voltadas para a governança da internet devem partir do pressuposto consignado em documento assinado na ONU por todas as nações, reconhecendo o “carácter global e aberto da Internet como motor para acelerar o progresso rumo ao desenvolvimento”.

3. Quando falamos de acesso a internet estamos falando de serviços públicos, do direito ao acesso que todo cidadão deve ter aos serviços essenciais e de recebê-los dentro de padrões de universalização, modicidade, continuidade e segurança, qualidade, sem qualquer tipo de discriminação e devidamente regulados.

4. O acesso à internet não diz respeito apenas às telecomunicações, mas impacta também fortemente o direito à cultura, à educação e à segurança de forma coordenada.

5. Entendemos, ainda, que a participação do Brasil deve se dar de acordo com os princípios expressos no Decálogo editado pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil, cujas atribuições estão previstas no Decreto 4.829/2003, por intermédio da Resolução CGI.br/Res/2009/003 – Princípios para a Governança e Uso da Internet, e pelas deliberações constantes da
Resolução CGI.br/Res/2012/003/P.

6. Nessa direção repudiamos as tentativas de violação dos seguintes princípios: liberdade, privacidade e direitos humanos; governança democrática e colaborativa, universalidade; diversidade; inovação; neutralidade da rede; inimputabilidade da rede; funcionalidade, segurança e estabilidade; padronização e interoperabilidade e ambiente legal e regulatório.

7. Portanto, entendemos que a representação brasileira deverá se opor a qualquer iniciativa por parte dos grandes grupos econômicos, que possam comprometer a democratização
dos serviços de telecomunicações, especialmente do acesso à comunicação de dados, e defender os princípios da universalização e modicidade tarifária, pois têm papel fundamental para a garantia da liberdade de expressão e do direito à comunicação na internet.

II – PROCESSOS DECISÓRIOS NA UIT

8. Tendo em vista que o objetivo da CMTI-12 é promover a revisão dos Regulamentos de Telecomunicações Internacionais (International Telecommunication Regulations / ITRs), que abrangem os processos de formulação de regras a serem respeitadas a nível internacional, não podemos deixar passar a oportunidade de propor que seja discutida a pouca transparência dos processos decisórios no âmbito da União Internacional das Telecomunicações.

9. Esperamos que a representação brasileira leve propostas no sentido de serem amplamente divulgados os temas levados à debates para as organizações da sociedade civil de todos os países, com a abertura de prazos para manifestações e contribuições.

10. Entendemos que a abertura e transparência nos debates viabilizarão que as decisões da UIT ganhem em legitimidade e não fiquem restritas à influência do peso de fundamentos exclusivamente técnicos, que muito interessam aos grandes grupos econômicos e que podem limitar de forma indesejada direitos sociais e políticos.

III – GOVERNANÇA DA INTERNET - DIREITO QUE DEVE SER PRESERVADO PARA CADA PAÍS

11. Ainda que a internet não deva estar dividida em esquemas nacionais, pois a interconexão entre as infraestruturas e um sistema internacional de funcionamento é que propicia o caráter aberto da rede e a ampliação do direito à comunicação, entendemos que aspectos de governança relativos aos direitos e limites do USO das redes devem ser preservados, respeitando-se as diferenças culturais, sociais, econômicas e políticas de cada nação.

12. Entendemos que a regulação internacional deva se restringir à questões de arquitetura das redes, a fim de garantir que a internet possa operar como espaço público internacional e não discriminatório, baseada em padrões abertos, fundamentados especialmente no princípio da neutralidade das redes.

13. É necessário que novas regras garantam o fluxo livre e não discriminatório de informações, independentemente da infraestrutura pela qual trafeguem, evitando-se o controle na circulação de conteúdo, característica esta intrínseca a internet e que propiciou seu desenvolvimento, sua difusão e seu caráter essencial para a livre manifestação e para a comunicação.

IV – FINANCIAMENTO DA INFRAESTRUTURA DE TELECOMUNICAÇÕES - AMEAÇA À DEMOCRACIA

14. O tráfego cada vez maior na internet em todo o planeta tem levado à necessidade de grandes investimentos em infraestrutura, em razão do que se abriram debates sobre como financiar esse necessário crescimento, o que tem sido alvo de debates na UIT.

15. Invocando esta justificativa, os grandes grupos econômicos que operam no setor de telecomunicações têm pressionado a UIT a fim de alterar o modelo de cobrança do uso da rede, que hoje se dá com base na capacidade de transmissão contratada, para que se passe a cobrar pela quantidade de banda utilizada.

16. No fundo, os grandes grupos econômicos pretendem obter financiamento privado, compartilhando com as grandes empresas de conteúdo e serviços sob demanda, tais como Google, Facebook, Netflix, entre outros, os custos necessários, pois sabem que o financiamento público implicará em condicionamentos administrativos que vão de encontro com seus interesses privados.

17. Ou seja, o modelo pretendido pelos grandes grupos econômicos representa risco efetivo ao caráter democrático das telecomunicações, bem como à liberdade de expressão e comunicação na internet.

18. Isto porque é claro que as empresas de conteúdo com maior poder econômico que se associem aos operadores dos serviços de acesso à rede passarão a ter seus tráfegos privilegiados, com a restrição do alcance dos conteúdos de outras entidades e, portanto, pondo em grave risco a neutralidade da rede, o direito de comunicação, à liberdade de expressão e a inovação.

19. Nessa direção e afinados com a premissa de que o acesso à internet é um direito fundamental, entendemos que é papel precípuo dos Estados, mesmo que em parceria com a iniciativa privada – seja em regime de concessão ou de autorização, o financiamento da implantação de infraestruturas com o estabelecimento de contrapartidas administrativas, garantindo o poder de soberania sobre as redes essenciais para o cumprimento de finalidades vinculadas com o desenvolvimento econômico e social e com o interesse público objeto de políticas públicas.

20. Entendemos que às empresas pode se atribuir a liberdade regulada para contratar serviços com os mais diversos mercados consumidores.

21. Todavia, neste momento em que há demanda de mais de US$ 800 bilhões de investimentos para os próximos 5 anos, como estimado pela UIT, os Estados devem estar comprometidos com o financiamento das redes, impondo os condicionamentos e contrapartidas ao setor privado, e, especialmente, voltados para o controle do processo de implantação de infraestrutura, com o objetivo de evitar mecanismos discriminatórios, como temos assistido no Brasil, onde as regiões mais pobres estão sofrendo com a falta de redes de acesso à internet.

22. Não acreditamos que a realização dos investimentos necessários por parte exclusivamente da iniciativa privada, orientada pela lógica do mercado e do lucro, trará os resultados da universalidade e modicidade tarifaria, fundamentais para que se alcance o respeito ao direito humano fundamental de acesso às redes.

V – CONCLUSÃO

23. Pelo exposto, esperamos que a representação do Estado Brasileiro atue com base na premissa de que o acesso à internet se constitui como direito humano fundamental, opondo-se às propostas que venham a restringi-lo.

Esperando contribuir para o processo de aperfeiçoamento do processo de regulação do acesso à internet, a PROTESTE aguarda que a ANATEL atue dando publicidade às discussões.

Atenciosamente

FLÁVIA LEFÈVRE GUIMARÃES
CONSELHO CONSULTIVO DA PROTESTE


Leia na Fonte: Portal da Band - Colunas
[07/11/12]   Entrevista de ministro derruba votação do Marco Civil

Fiquei afastada nos últimos 15 dias me recuperando de uma cirurgia, mas volto a tempo de comentar a retomada de uma das maiores polêmicas do setor de telecomunicações: a votação do Marco Civil da Internet. Estava prevista para esta quarta-feira, 7, a votação do relatório do deputado Alessandro Molon (PT/RJ), com ajustes selados em uma reunião da cúpula do governo realizada ontem.

O texto final não era bem o que as entidades civis que lutam pela aprovação da nova lei pretendiam: flexibilizava a proposta original do relator sobre a neutralidade de rede, cerne do projeto, retirando a previsão de que o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI/br) deveria opinar sobre o assunto. A neutralidade, que gera tanta polêmica, é um princípio usado mundialmente para impedir que as empresas prestadoras de Internet discriminem os usuários na web. A ideia é tratar todos os pacotes da mesma forma na rede, sejam eles pedidos de acesso a páginas de texto, vídeos ou serviços de voz sobre IP. A nova redação repassa ao Poder Executivo o dever de regulamentar este princípio. E foi ai que a votação naufragou.

Satisfeito com o novo texto acertado com o relator, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, não conseguiu se conter. Organizou uma entrevista onde comemorou a iminente aprovação do Marco Civil com um texto mais próximo do que ele, Bernardo, defendia. Ou seja, sem qualquer citação ao CGI.br. As agências se prontificaram em noticiar a vitória do Ministério das Comunicações, que vinha há meses rivalizando com a equipe do Ministério da Justiça sobre qual deveria ser a redação final da nova lei.

Acontece que Paulo Bernardo falou demais. Disse aos jornalistas que não seria necessária a edição de um decreto para cumprir a nova missão de regulamentar a neutralidade, como prevê o rito legal. Sua ideia era outra: transferir para a Anatel o poder de decidir os limites do princípio da neutralidade. A declaração enfureceu os deputados federais, que se preparavam para iniciar a votação do projeto.

Além da precipitação do ministro de comemorar o resultado de uma deliberação que sequer havia começado, os deputados não gostaram nada da ideia de o governo já estar pensando em transferir o estabelecimento de um parâmetro tão importante para uma agência reguladora. Os parlamentares contrários ao Marco Civil fizeram a festa e dominaram os debates, acusando o projeto de abrir caminho para a censura. A oposição entrou em obstrução e assim a votação foi inviabilizada.

Molon chegou a ser literalmente encurralado pelos assessores do governo quando ficou evidente que o acordo estava naufragando. Encostado na parede do Plenário da Câmara dos Deputados, o relator ouvia reclamações e pedidos de satisfação dos representantes da Casa Civil, da Secretaria de Relações Institucionais, da Anatel e das pastas de Comunicação e Justiça. Mas a verdade é que o parlamentar pouco poderia fazer naquele momento para reverter a situação criada pela entrevista de Bernardo.

Em meio à balbúrdia, Molon chegou a fazer uma reunião com os representantes do governo e das demais bancadas na Câmara dos Deputados para tentar fechar um novo acordo. Mas, depois de muito confronto, o máximo obtido foi um acerto para que o Marco Civil volte à pauta na próxima terça-feira, 13.

O desfecho da sessão de hoje é um exemplo claro de como, na política, não se pode comemorar nada antecipadamente. O Ministério das Comunicações estava com o jogo ganho, mas a imprudência fez com que as coisas saíssem do controle. Já se fala que Bernardo terá que se desmentir, prometendo que não transferirá nada para a Anatel, para que a votação realmente ocorra na próxima semana. A promessa agora é de que a tal regulamentação prevista na lei será feita por decreto presidencial. O que, diga-se de passagem, é o correto. A questão é se os deputados vão se convencer de que o compromisso é verdadeiro depois das declarações de hoje.

De um jeito estranho, Bernardo conseguiu transformar sua óbvia vitória em uma vergonhosa derrota. O ministro pretendia não deixar suas digitais nas restrições à neutralidade, mas é exatamente isto que irá ocorrer a partir de agora se o governo não conseguir reverter a crise criada entre os parlamentares. A própria Anatel, antigo pivô da polêmica, deve estar gostando do novo curso das coisas. Afinal, a agência poderá ser a redatora das regras, mas não terá a responsabilidade de assinar o documento.

A confusão de hoje também mostra que há muita gente que discorda da ideia de que a Anatel deve ser o centro de tudo que, minimamente, envolva as telecomunicações. É sempre importante lembrar que o Marco Civil da Internet não é apenas uma lei que atinge as teles. É uma legislação sobre direitos civis. Mais do que um ambiente de negócios, a Internet é um local de comunicação, de cidadania, de liberdade de expressão, de informação. E é o governo eleito quem deve se responsabilizar por eventuais restrições a esse ambiente de liberdade de comunicação.

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Leia na Fonte: Blog do Gindre
[08/11/12]  (Republicando) Regular a Internet: necessidade ou heresia? (parte 1)

(Esta parte do meu artigo foi publicada na revista Teletime, n° 144, de junho de 2011.)

Em 1995, através da Norma 04, o Ministério das Comunicações definiu que “provimento e utilização dos serviços de conexão à Internet” são um Serviço de Valor Adicionado (SVA) que, por sua vez, é definido como sendo aquele que “acrescenta a uma rede preexistente de um serviço de telecomunicações meios ou recursos que criam novas utilidades específicas, ou novas atividades produtivas, relacionadas com o acesso, armazenamento, movimentação e recuperação de informações”. Esta decisão foi correta do ponto de vista político (pois permitiu que a Internet não ficasse debaixo do então monopólio do Sistema Telebrás) e técnico. Afinal, naquele momento, a Internet era, de fato, um serviço de valor adicionado que se utilizava das redes construídas originalmente para o STFC.

Dezesseis anos depois, a Norma 04 parece ter se tornado um mantra, repetido por muitos como uma garantia quase que divina de que a Internet não deve ser regulada. Mas, se tanta coisa mudou neste período, não seria necessário ter a coragem de revisitar a Norma 04 e abrir o debate sobre a regulação da Internet?

Ou, mais do que isso, será que alguma vez a Internet deixou de ser regulada? E talvez aqui esteja o vício de origem de todo este debate: supor que só há regulação quando ela é exercida pelo Estado. Ora, é fato que agentes de mercado também exercem forte poder regulador, influenciando a direção que outros agentes seguirão. Nesse sentido, podemos dizer que a Internet sempre foi regulada. O que muda agora é a necessidade deste debate ser feito de forma pública, incluindo o maior número possível de atores sociais, dado que a Internet é hoje um insumo imprescindível para o desenvolvimento humano. Isso significa que precisamos sair de um cenário de regulação privada para outro de regulação pública.

Infra-estrutura de telecomunicações

Ao contrário do início dos anos 90, não é mais verdade que a Internet se utiliza de uma infraestrutura construída originalmente para outros serviços. Pelo contrário, é o tráfego Internet que orienta econômica e tecnologicamente os investimentos em telecomunicações. Já a voz do STFC é que tende a se tornar uma commodity.

O governo sabe disso e percebeu que precisa de uma política para a infraestrutura da Internet. Mas, infelizmente, optou por manter a inviolabilidade da Norma 04 e embutir esta regulação no interior de um contrato de outorga de um outro serviço, o STFC, ao invés de reconhecer a Internet em sua especificidade. Esta opção terá nefastas consequências tanto para o STFC (ao onerar as tarifas de voz com os investimentos feitos para o tráfego de dados) quanto para a Internet (quando abrirmos o debate sobre a reversibilidade dos bens). Defendo que se faz necessária a criação de um novo serviço de telecomunicações, alicerçado em três pilares: a convergência entre voz, vídeo, dados e mobilidade; a separação funcional entre os agentes econômicos que operam as redes e aqueles que provêm o acesso; a transformação da operação da rede em serviço a ser prestado em regime público (e privado), com o consequente Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU).

Arquitetura e padrões

Mas a Internet é mais do que a infraestrutura de telecomunicações. E um outro debate, muito mais complexo, gira em torno das definições de padrões e arquiteturas que, como nos lembra o professor Lawrence Lessig, são a “lei” da rede. Por exemplo, quando a Apple decide que seus aparelhos não acessarão vídeos em Flash, ela está ou não exercendo um poder de mercado significativo (PMS)? E não seria aceitável algum tipo de auditoria nos algoritmos de busca do Google, responsáveis por mais de 70% das buscas mundiais na Internet? Vale lembrar que estar na primeira ou na décima página de uma busca no Google pode significar a morte ou o sucesso de um empreendimento.

(INSERÇÃO POSTERIOR: além de Lawrence Lessig, com seu livro fantástico “Code 2.0“, outra boa referência para este debate é o livro “Protocol“, de Alexander Galloway. Logo no prefácio o autor utiliza uma metáfora para explicar o poder dos “protocolos”. Se uma cidade possui uma rua longa e larga e há vários casos de carros transitando em altíssima velocidade por essa rua, duas são as formas de tentar resolver o problema. A primeira é encher a rua de policiais que ficarão anotando os carros que excederem o limite de velocidade. Mas, isso não impede de verdade que os carros acelerem. Basta que os policiais não estejam na rua por algum motivo ou que o motorista esteja disposto a pagar a multa. Outra forma de resolver o problema seria colocar quebra-molas, por exemplo. Com isso, mesmo que queiram, os motoristas não mais conseguirão andar na velocidade de antes. A estes dispositivos Galloway chama de “protocolos” e eles têm o poder de determinar o que pode e o que não pode ser feito, mas não através de leis. Ao invés disso, eles definem o próprio conceito de “real” dentro da Rede. E quem constrói os protocolos tem o poder de fato.)

Mas os padrões e as arquiteturas dos sistemas na Internet, em geral, são definidos em fóruns internacionais, onde a presença das grandes empresas transnacionais é avassaladora. Para atuar nessa arena, o País precisaria definir objetivos (por exemplo, padrões abertos e interoperáveis) e aliados táticos e estratégicos, no âmbito de uma política capaz de produzir um verdadeiro desenvolvimento industrial. Definir, por exemplo, se seremos eternos consumidores de padrões proprietários, com cujos royalties teremos que arcar, ou se vamos ter algum tipo de inserção soberana.

Ou seja, precisamos ter uma política para nossa atuação em organismos como World Wide Web Consortium (W3C), Internet Engineering Task Force (IETF), Internacional Telecommunication Union (ITU) e Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN). Inclusive levando em consideração o fato de que em alguns destes órgãos a atuação é institucional, do governo do país, e em outros ocorre através de pesquisadores e empresas.

Neutralidade de rede

Este é um outro ponto onde a circulação do tráfego Internet já deveria ter sido alvo de regulação. Nos Estados Unidos, a Eletronic Frontier Foundation (EFF) acusa a AT&T de degradar a qualidade de serviços que a empresa considerava concorrentes aos seus (como o VoIP) ou que poderiam expor o fato de que as operadoras vendem, ao usuário final, uma largura de banda que simplesmente não podem entregar (como o P2P). E o que impede que esta mesma prática esteja sendo utilizada hoje no Brasil? Qual o controle existente?

Claro que se faz necessário reconhecer que serviços diferentes requerem tratamento diferenciado. Por exemplo, um serviço de vídeo por streaming requer uma latência mais baixa do que o envio de um e-mail. Contudo, a mesma qualidade aplicada ao vídeo de uma empresa X deve ser fornecida ao vídeo de uma empresa Y, sob pena de termos um cenário onde criar dificuldades para vender facilidades pode se tornar um negócio bem lucrativo.

Fiquemos, então, com a definição aprovada por consenso pelos membros do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), mas que carece de forte regulação para se tornar realidade: “filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais, ou qualquer outra forma de discriminação ou favorecimento”.

Privacidade e Segurança

No caso da privacidade e segurança dos dados que trafegam na Internet, tradicionalmente tendemos a ter receios do Estado-leviatã, não sem bons motivos. E isso vale tanto para a China e o Irã, por exemplo, quanto para os Estados Unidos e sua poderosa National Security Agency (NSA). Mas, temos poucas proteções contra a ação dos conglomerados de mídia e as centenas de dados que conseguem coletar sobre um mesmo indivíduo: o que ele escreve no Gmail, o que armazena no Google Docs, suas mensagens e redes de amigos no Facebook, suas músicas no iTunes, fotos no Picasa, dados profissionais no Linkedin, sua localização por GPS, compras nos cartões de crédito, logs de acesso, etc. Tudo isso batido em poderosos liquidificadores de data mining que produzem as mais diversas segmentações, capazes até mesmo de antecipar padrões de consumo. Hoje em dia é possível até mesmo encontrar um mercado secundário de venda e compra de dados pessoais, como no caso da empresa BlueKai.

A União Europeia já possui uma diretiva específica para lidar com a privacidade e a segurança da informação e vários de seus membros estão criando agências para regular o tema. Parece que, aqui também, estamos atrasados.

Direito autoral

Trata-se aqui, por um lado, de reconhecer a necessidade de termos modelos de negócio capazes de remunerar o produtor (e que não entreguem o poder de gestão dos direitos nas mãos de distribuidores/atravessadores) e, por outro lado, reconhecer também que informação não é um bem rival e que pode ser reproduzida ao infinito com custo marginal tendente a zero (especialmente na Internet, onde não há mais um suporte físico para esta informação). Este novo modelo começa com o reconhecimento de que “pirataria” é um termo impreciso demais e que coloca no mesmo balaio circuitos de produção totalmente distintos, que vão desde as máfias de reprodução e comercialização com fins de lucro até o peer-to-peer baseado numa espécie de “gift economy”. Mas um novo modelo terá que reconhecer também que o acesso à informação é um direito humano e não pode estar restrito às demandas de lucro da indústria cultural.

Ou seja, precisamos de um novo regime de direitos autorais, que pactue uma aliança possível entre a remuneração do produtor e o direito humano ao acesso à informação e à cultura. Um regime radicalmente diferente daquele criado pelo Estatuto da Rainha Ana, de 1710, e que ainda hoje preside o discurso dos agentes econômicos do setor.


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