José Ribamar Smolka Ramos
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Julho 2008               Índice Geral


07/07/08

Anatel e as recentes "Consultas Públicas" (9) - Ainda as "13 Perguntas" - Smolka: STFC e NGN

----- Original Message -----
From: J.R.Smolka
Sent: Monday, July 07, 2008 1:53 AM
Subject: [wireless.br] Ainda sobre as 13 perguntas - STFC e NGN

Rogério, Hélio e colegas,

Ói nós aqui travêis :-) . Tenho que confessar uma coisa: esta já é a quarta (e última, espero) versão que escrevo para este post. Como prometido, vou tratar da possibilidade (ou falta dela, no entender do Rogério) de redes NGN servirem de suporte para a prestação do STFC, tal como definido no atual marco regulatório brasileiro. A conseqüência natural da análise desta pergunta leva a outra: considerando o modo que as atuais concessionárias/permissionárias do STFC no Brasil operam e estão evoluindo as suas redes, será que elas já extrapolaram o "envelope" da definição do serviço? Vamos procurar a resposta para isto também.

Para começar, precisamos definir claramente as coisas. Uma NGN, segundo a Recomendação ITU-T Y.2001 (General Overview of NGN), é:

A packet-based network able to provide telecommunication services and able to make use of multiple broadband, QoS-enabled transport technologies and in which service-related functions are independent from underlying transport-related technologies. It enables unfettered access for users to networks and to competing service providers and/or services of their choice. It supports generalized mobility which will allow consistent and ubiquitous provision of services to users.
[http://www.itu.int/rec/T-REC-Y.2001-200412-I/en]

E, segundo o parágrafo 1° do art. 1° do PGO atual (anexo do Decreto 2.534 de 02/04/1998), o STFC é:

O serviço de telecomunicações que, por meio da transmissão de voz e de outros sinais, destina-se à comunicação entre pontos fixos determinados, utilizando processos de telefonia.
[http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2534.htm]

Como já disse em outra ocasião, esta definição me parece meio tautológica, mas é o que temos, então vamos em frente com ela meso. Nestes termos, os serviços oferecidos através de uma rede de telecomunicações não podem ser enquadrados dentro da definição do STFC se:

a) Não envolverem a transmissão de voz (só outros sinais não vale);

b) Os serviços forem prestados de forma móvel ou nômade (porque aí não seria comunicação entre pontos fixos determinados);

c) Não utilizarem processos de telefonia (achou isto obscuro? Eu também).

Pela definição de NGN vemos que transmissão de voz e outros sinais está dentro do contexto, então não dá para descaracterizar uma rede NGN como base de prestação do STFC pelo critério (a). Porém uma NGN completa deverá suportar generalized mobility, e isto a desqualifica para a prestação do STFC pelo critério (b). Mas não vamos ser xiitas. Supondo uma implementação mais restrita, sem incluir na rede o suporte à mobilidade e/ou nomadicidade dos usuários, então ela ainda não poderia ser descartada com base neste critério. O real ponto crítico é o critério (c). O que vem a ser estes tais processos de telefonia? Consigo imaginar duas interpretações para esta expressão.

A interpretação mais restrita é que processos de telefonia significa que a rede utiliza somente o conceito de circuit switching (inclusive no que diz respeito às mensagens de sinalização). Se adotarmos esta linha de raciocínio podemos parar por aqui, porque uma NGN, por definição, é inteiramente baseada em packet switching. Quem entender que esta é a forma correta de interpretar o que diz o PGO atual quer dizer com a expressão processos de telefonia poderia terminar a leitura neste ponto, porque o assunto estaria resolvido.

Mas é possível (e eu prefiro) uma interpretação mais flexível. A expressão processos de telefonia pode ser entendida como a capacidade da rede de:

a) Suportar conexões de assinantes que utilizem, no mínimo, terminais telefônicos convencionais (com ou sem o uso de ATAs);

b) Garantir que o nível mínimo de interoperabilidade (estabelecimento de sessões funcionais de uso do serviço) entre os terminais conectados à rede é a transmissão de voz, com características de qualidade equivalentes ao serviço telefônico convencional (o referencial de qualidade é o encoding PCM conforme a Recomendação ITU-T G.711).

Desta forma daria para acomodar uma rede NGN (ou híbrida, com partes NGN e partes convencionais) dentro da definição do STFC. Mas, considerando a "fúria tributária" do Governo, creio que preferirão criar todo um novo elenco de definições de serviço, cada um com suas respectivas exigências de permissão e/ou concessão - porque assim maximiza-se a receita com licitações, FISTEL, etc.

Então a resposta à nossa primeira pergunta é um sonoro depende!  Parece que a possibilidade de enquadrar uma NGN fixa dentro do STFC é inversamente proporcional ao quanto o intérprete entender que a tecnologia empregada tecnologia define o serviço. Mas, mesmo que se adote uma interpretação mais elástica, haverá um break point que forçará a redefinição do marco regulatório. Em minha opinião, o "ponto de não retorno" está diretamente ligado à proporção entre as quantidades de terminais convencionais (incluindo aí os que utilizem ATAs) e terminais de nova geração (que suportem múltiplos serviços, com sinalização SIP mediada por IMS). Se a "população" de terminais NG na planta exceder 20% do total, então não dá mais para fingir que nada mudou.

O que nos leva à segunda pergunta do dia. Será que as operadoras do STFC já estariam over the edge? A situação das redes fixas hoje é (em maior ou menor grau, dependendo da operadora):

a) A esmagadora maioria dos terminais ainda é convencional (pares metálicos ligados diretamente à central local, com sinalização DTMF). Mesmo nos casos onde o acesso é feito com modems DSL, tipicamente o tráfego de voz gerado por terminais convencionais convive em paralelo com o tráfego puramente digital de outros serviços (via FDM, com separação dos tráfegos no DSLAM: voz vai para a central telefônica e dados vão para o roteador IP);

b) As centrais convencionais vem sendo complementadas ou substituídas por softswitches, para obter ganho estatístico de capacidade nos enlaces de transmissão usando VoIP (bearer channels na forma de sessões RTP entre as MGW). Desta forma uma parcela crescente do tráfego de voz está sendo cursado na transmissão em modo packet switching;

c) O protocolo de sinalização entre os nós de comutação (centrais convencionais e os MGCs) ainda é o SS7, mas, em paralelo com a introdução das softswitches na rede, também está ocorrendo a adaptação do transporte das mensagens SS7 sobre IP, seja pelo uso de gateways ou de forma nativa (veja as RFCs produzidas pelo working group SIGTRAN da IETF em http://www.ietf.org/html.charters/sigtran-charter.html).

d) Os serviços de dados estão praticamente todos concentrados sobre uma rede de transporte IP/MPLS, que compartilha a banda dos enlaces de transmissão com o tráfego de voz circuit switching (declinante) e com o tráfego VoIP (crescente). Desta forma o tráfego total em modo packet switching está em vias de superar o tráfego circuit switching na transmissão, e a conseqüência disto é que enlaces PDH e SDH estão tornando-se progressivamente inadequados, e substiruídos por enlaces que operam nativamente em modo packet switching (ex.: Metro Ethernet), inclusive nos acessos corporativos e residenciais. Meu palpite é que em 2012 os enlaces PDH e SDH representarão não mais que 30% da capacidade total de transmissão, e que sejam completamente substituídos até 2016.

Então, considerando o critério de um threshold de 20% de terminais NG na planta como o "divisor de águas" entre o STFC e o serviço (ou serviços) que vier(em) a comportar o ambiente NGN, eu acho que as operadoras fixas ainda estão do lado de cá da cerca. Porém elas estão se aproximando rapidamente dela. Até o ano que vem nós vamos ver o início da oferta de acessos VDSL2 e xPON para empresas e nas áreas residenciais mais fashion. O lógico é que estes lançamentos sejam acompanhados pelo lançamento dos primeiros serviços mediados por IMS, e, daí para a frente, é tudo ladeira abaixo.

Novamente fazendo previsões, creio que o alea jacta est regulatório tem que ocorrer até 2010. Depois disto o risco de confusão é grande.

Tive a seguinte idéia, que talvez seja um bom exercício de discussão na ComUnidade: como vocês acham que poderia ser a regulamentação dos serviços baseados em NGN? Como definir as características destes serviços mantendo coerência com os princípios de separação entre serviço e transporte, agnosticismo tecnológico e convergência fixo-móvel embutidos na própria definição de uma NGN?

Sou todo ouvidos...
[ ]'s
J. R. Smolka

Nota da Coordenação:
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