A Lua Branca e a Estrela de Ouro

Autora: Mariana Rezende

Capítulo 3

O Treinamento


 

-     Como vou aprender a derrotar o "mostro"? – Lua Branca estava muito ansiosa.

-    Luazinha, já te falamos milhares de vezes: é "monstro" e não "mostro"! Fale direito! –Crocodilo Bravo começava a irritar-se.

-    Então me ensine a falar!

-    Então repita: monstro. Monstro – o irmão falava pausadamente – Monstro.

-    Mmm... Não sai! Mmmo... Fala de novo!

-    Mons-tro; mons-tro.

-    Mmontro... não, saiu "erado"! Mm...

-    "Erado" não! Errado!

-    Hein?

-    Errado, Lua Branca!

-    Chega de aula de gramática! Agora vamos aprender a usar o "maquahuitl" – Guerreiro Valente disse, aparecendo na porta da casa.

-    Quê? – a menina, como poderão notar, não entendia nada de armas, o que era muito óbvio.

-    É uma arma comprida, com lâminas de obsidiana.

-    Eu não sei o que é "obisdana".

-   Obsidiana, filha! É uma pedra vulcânica.

-    Ah! E o que é "vulcânaca"?

Pai e irmãos riram demasiadamente.

-   Você fala igualzinho o Vento Veloz quando tinha a sua idade – Grande Águia sorriu, ao lembrar da irmã pequenina no colo da mãe e o irmãozinho perguntando de tudo – Ele perguntava tudo o que vinha à sua mente!

-      Eu perguntava de tudo? Tudo o quê? Por que eu perguntava tudo? Mas eu não me lembro! Como eu posso perguntar, escutar a resposta e não lembrar depois? Será que eu sofro de amnésia?

-    Desculpe, eu errei... Quis dizer: você pergunta tudo o que vem à sua mente.

-     Ah, irmão! Me desculpe por ser "sedento de sabedoria" – respondeu o menino, irônico.

-     Podemos voltar à aula? – Guerreiro Valente estava impaciente.

-     É! Vamos voltar à aula! – disse Lua Branca, autoritariamente.

-      Grande Águia! Vá treinar com Crocodilo Bravo. Ele já é muito grande para esse tipo de aula. Peguem esses pedaços de pau – disse o pai, entregando dois pedaços de madeira para os filhos mais novos – e segurem eles com a mão direita. Firme, filha!

-    Só posso segurar com uma mão?

-     Só. Com a esquerda você segurará o escudo.

-    E onde está ele?

-   Minha filha! Não seja impaciente! Uma arma de cada vez!

-   Um escudo é uma proteção, pai. Não uma arma.

-    E esse pedaço de pau também não é uma arma. – desta vez, quem reclamara fora Vento Veloz.

-    Eu também acho! Não entendo nadinha de armas, mas sei que isso não machuca ninguém!

Pelos deuses! Vocês são impossíveis! Tenho uma longa e difícil tarefa. Será muito duro treiná-los se não ficarem calados! – Guerreiro Valente explodiu de raiva – Vocês param de falar ou eu paro com o treinamento?

     As duas crianças ficaram quietinhas por longas horas depois disso. Depois de alguns minutos prestando atenção ao que o pai dizia, eles começaram a "lutar" com os dois pedaços de pau. Guerreiro Valente os interrompia várias vezes, mostrando qual era a maneira correta de atacar e de se defender.

     Lua Branca divertia-se muito treinando com o irmão. Ela o acertava inúmeras vezes com o pedaço de madeira, mas o irmão, que estava mais habituado, "matara" a irmã sete vezes, batendo com sua "arma" na cabeça e no estômago da menina.

     Quando escureceu, o pai entregou um pote para cada um, pedindo que trouxessem água. – Estarei dentro de casa esperando – e entrou.

     No caminho do riacho, Vento Veloz reclamava o tamanho do jarro que carregava, que era demasiadamente maior que o da irmã.

    - Não reclame. O meu também está muito pesado. E eu estou começando a treinar. Você já está acostumado. Não quer ficar forte como o meu pai? Então treine direito!

    - Sabe por que temos que vir até aqui para encher os potes? Sabe por que não podemos pegar água na margem do chinampa [1]?

    - Se não deu para perceber, eu já sei que estamos aqui para ficarmos fortes. E vamos fazer isso todos os dias. Carregar água cansa muito, mas se viemos para nos fortalecer, eu faço isso de boa vontade.

    - O treinamento é muito duro. Você vai agüentar?

    - Sim.

    - Como responde com tanta certeza?

-     Respondendo.

    - Não precisa ser tão fria. Acha que o treinamento de hoje acabou? – Vento Veloz não acreditava. Parecia que aquela menina, tão ingênua, frágil e pequena havia crescido diante de seus olhos, em corpo e mente. Não parecia a Lua Branca de sempre. O que acontecera? No seu olhar brilhava uma luz cheia de mistérios.

    - Não. E o de amanhã será mais duro que o de hoje. Por que me olha assim? – a pergunta da irmã fez Vento Veloz libertar-se de seus pensamentos.

    - Nada... – como uma menina de quatro anos falava tão seriamente como um adulto?

Depois de oito meses, o treinamento estava mais pesado do que nunca. Mas estava fazendo muito bem à menina. Seis meses atrás, ela era muito caseira. Agora saía sempre que tinha oportunidade. E estava mais morena. Deixara a menina branquela, magrinha e medrosa para trás e se tornara uma menina forte, decidida, corajosa e segura. Talvez até corajosa demais.Deixara, também, de sonhar. Ela chegava em casa tão exausta, tão cansada, que dormia profundamente. E nada acordava a menina, que dormia como uma pedra.


[1] chinampa: espécie de jardim, envolto de água, sustentado por estacas. Em alguns desses jardins plantava-se variados alimentos. Uma família de agricultores (como é o caso da de Guerreiro Valente), cuidava de vários chinampas ao mesmo tempo e construía sua casa em um deles. 

[Anterior]           [Próximo]