WirelessBR

WirelessBr é um site brasileiro, independente, sem vínculos com empresas ou organizações, sem finalidade  comercial,  feito por voluntários, para divulgação de tecnologia em telecomunicações 

VoIP versus ICMS

Autor:  Fernando Neto Botelho (*)

 

VoIP versus ICMS

Fernando Neto Botelho (*)


Sumário

Introdução
A Referência Histórica
Estrutura da Compreensão
Relevância do Fato e a Jurisprudência
Análise Jurídico-Regulatória
Análise Tecnológica
Análise Tributária
Conclusão
Bibliografia
 

 

Introdução

Um anglicismo incorporado ao repertório de estrangeirismos dos manuais de tecnologias da informação, ou aplicação integrada a serviços de acesso à Internet, são apenas algumas das incertezas que rodeiam, hoje, a compreensão da sigla VoIP (Voice over Internet Protocol).

E, antes mesmo de dissecada, compreendida, em sua extensão material, ou de analisada quanto a seu alcance jurídico, a sigla já ganhou espaço como objeto de oferta de serviços (por provedores de acesso à Internet).

Diz-se “de acesso à internet” porque foram, até agora, os serviços – e seus provedores, ou, os provedores do acesso à rede mundial – que primeiro se lançaram à veiculação de VoIP como produto formal agregado a oferta tradicional de serviços.

São eles que, através do arrojo empresarial de anteciparem a inovação como item de “core business”, começam a provocar a necessidade de reflexão do meio jurídico, pois no seio deste a “quaestio iuris” relacionada com a comercialização de VoIP terminará seu natural percurso de definição.

Não será possível, diante deste cenário empresarial que se consolida, que o intérprete do fenômeno aguarde que lei formal, ou disciplina normativa-específica, surja como guia prévio da definição (de VoIP).

Outro exemplo do poder mutante da realidade social que a inovação tecnológica produz, VoIP se antecipa a esta normatização, instalando-se, “diretamente”, na “praxis” do mercado de serviços do provimento de acesso à Internet, assim se antecipando à própria “palavra” do legislador.

Convoca, por isso e em razão do impacto não mais desprezível que produz, hoje, em segmentos fundamentais do setor (de telecomunicações), a necessidade de delineamento.

Para esse, deve-se caminhar com cautela recomendável a espinhosas tarefas, como as que têm, no centro, apreciação de aplicações tecnológicas inovadoras e não-instituídas “por lei” (formal).

A missão há de ir à compreensão do fato em sua larga extensão técnica – ligada, aqui, a recursos de tecnologia da informação – pois não se poderá alcançar conceito jurídico a habilitar respostas adequadas e convincentes sem que o fato seja essencialmente conhecido.

Estará, no ingresso analítico do aspecto tecnológico do problema, ou, no aprofundamento da aplicação e na conferência dos seus contornos e origens (computacionais-telemáticos), o segredo para que VoIP possa ser juridicamente catalogada.

Uma cuidada dose de ativismo-interpretativo, para suporte da lacuna deixada por falta de “lei formal”, desapego do positismo clássico, adoção de visão cognitiva como a proposta por Dworkin (1) - em sua clássica retórica, do “Hércules” interpretativo – ou por Habermas
(2) e Ronsenfeld (3) , poderão ajudar na tarefa, que será a de construir pilares de um novo instituto, fruto de nova aplicação, tendo por base fato consumado, praticado, sem regramento prévio.

Dentre desse objetivo, buscaremos conduzir a reflexão presente, primeiramente, por dados históricos – referenciais-lógicos da transposição, ou, da “passagem”, da voz, para rêdes IP – e, a seguir, pela identificação de marco regulatório para VoIP, no Brasil, com a conferência, ao final, de detalhes técnicos da operação/aplicação de VoIP.

Finalmente, sugeriremos uma visão tributária (quanto ao ICMS) para a aplicação.


(1) Ronald Dworkin (“O Império do Direito”, ed. Martins Fontes)

(2) Jurgen Habermas (“Direito e Democracia – entre Facticidade e Validade”, ed. Biblioteca Tempo Universitário)

(3) Michael Rosenfeld (“A Identidade do Sujeito Constitucional” – ed. Cardozo Law Review/1995)



A Referência Histórica

Em sua mais recente série de abordagens sobre VoIP, o engenheiro José Ribamar Smolka Ramos
(4) referencia texto – publicado em 1.996 pela “Wired Magazine”, intitulado “Netheads vs BellHeads” (5), de autoria de Steve G. Stenberg – em cujo centro se destacou, à época, existência de:

“... uma guerra entre os “Bellheads” e os “Netheads”. Em termos amplos, “Bellheads” são as pessoas da telefonia original. São os engenheiros e os gestores que cresceram sob olhares atenciosos de Ma Bell e que continuam a dar suporte às práticas do sistema Bell fora do respeito ao legado da mesma. Eles acreditam na solução de problemas segundo aplicações técnicas que dependem de hardwares e rigoroso controle de qualidade – ideais e práticas que integram nosso robusto sistema de telefonia e que são incorporados, atualmente, ao procotolo ATM.
Opostos aos “Bellheads”, estão os “Netheads”, jovens turcos que conectaram os computadores do mundo para formarem a Internet. Estes engenheiros vêem a indústria atual de telecomunicações como uma relíquia a ser superada pela marcha da computação digital. Os “Netheads” acreditam mais na inteligência dos softwares que na força bruta dos hardwares, e no reoteamento flexível e adptável ao invés do controle rígido de tráfego. Estes são os ideais e princípios, em suma, que têm determinado o crescimento tão rápido da Internet, e que estão incorporados no IP – no Protocolo Internet.”
(6)

Vê-se que, uma década antes de VoIP instalar-se, como agora, na atividade e certos serviços da indústria de telecomunicações, já se notava o surgimento de pontos de divergência quanto a princípios que deveriam nortear a gestão do tráfego nas redes de telecomunicações.

Desde o surgimento dos estudos, do início do Século XX, do matemático dinamarquês A.K. Erlang, voltados para o gerenciamento do tráfego e para a comutação da voz por centrais telefônicas, a idéia conceptiva, de Alexander Graham Bell – de conectar, por cabos elétricos, pontos fixos, entre os quais se implementaria a transmissão de sinais codificados da voz humana – consagrou-se como a estrutura topológica da telefonia mundial.

A armação de circuitos elétrico-dedicados, ocupando canais de centrais telefônicas durante a permanência das ligações, e seu gerenciamento estabilizado por sinalização, “call-setup”, “call-handling”, “call-ending”, consagrou-se e definiu a estrutura técnica da telefonia, que passou a atuar segundo um conceito: o do tráfego gerenciado dos sinais da voz por redes ATM (7).

A engenharia desta modalidade de tráfego da voz solidificou históricas estruturas normativas-técnicas, organizadas, inclusive, sob a gestão da ONU - Organização das Nações Unidas, como a da ITU - International Telecomunications Union (UIT - União Internacional das Telecomunicações).

Com a instalação do novo fenômeno da Internet – ancorada na idéia da conexão universal, não-hierárquica e não-gerenciada, de redes“ “de pacotes”, atuando estas por uniões (nós) físicas e por “linguagem” lógica-universal de transmissão, proporcionada pelo uso de um novo protocolo/software, o protocolo IP (ou o software TCP/IP-Transmission Control Protocolo) – surge distinto segmento da engenharia do tráfego de redes: a congregação, agora, da IETF - International Engeneering Task Force.

Tal dualidade “de engenharias” – a convencional, ligada ao tráfego da voz por redes ATM (o histórico segmento Bell/Erlang) – entrechocam-se em meados da década de 90. Ali, os engenheiros/IETF, críticos da gestão “dedicada” e da antiga comutação “por circuitos” dos sinais da voz, e defensores da comutação “por pacotes” via roteamento não-hierarquizado dos mesmos sinais, passam a debater a possibilidade de a voz, ou, os sinais elétricos-codificados da voz humana, romper limites convencionais daquele outro cenário, então cativo, da telefonia convencional, e passar a se transmitir, como um dado multimídia, pelas “rajadas” dos “pacotes” Internet.

Divergência técnica, esta, que ficou estabelecida na ocasião entre os engenheiros, e circunscrita a aspectos disciplinares-tecnológicos da inovação.

No entanto, rapidamente, a discussão teórica ganhou outro campo fértil: o da indústria e a da comercialidade (da voz, como produto).

Surge, então, o embrião final do fenômeno da Telefonia IP, hoje sintetizada na sigla VoIP, ou, “voz sobre redes IP”.

Posta, como alternativa à telefonia convencional (esta, por redes ATM), a proposta da transformação do sinal de voz em dado multimídia para transmissão/recepção por redes IP, especificamente pela Internet, gerou intenso atrativo comercial, que começa a produzir grandes impactos.

A gerência da rêde Internet requeria e requer investimentos menores que os das redes de telefonia, pois os circuitos dedicados-comutados destas perdem, pelo alto custo de ocupação e gerenciamento dos canais nas centrais, para o gerenciamento, simplificado não-dedicado, dos pacotes da “web”.

Noutro modo de dizer, a “guerra” anunciada (“Bellheads” vs “Netheads”) do final do século XX (anos 90), ou, a divergência técnica, de engenharia, que terminava o período dourado da telefonia convencional, transformou-se, no início do novo século, em imensa perspectiva de disputa comercial “da voz”, como produto (entre a indústria da comutação “por circuitos” e a da “comutação por pacotes”).

A inovação, que consagra, agora, a idéia de não mais se tornar cativa a voz humana do antigo tráfego por redes ATM, é a mesma que anuncia a perspectiva de disputas empresariais-comerciais em busca de consumidores, conseqüentemente, a possibilidade de choques de interesses corporativos-empresariais, e conflitos, que deverão ser dirimidos pela via útil da compreensão do fenômeno inovador.
A este cenário deverá ser convocado, por último, o intérprete do Direito, que não estará autorizado a errar.


(4) “VoIP” (http://www.wirelessbrasil.org/wirelessbr/colaboradores/jose_smolka/voip/serie_voip_01.html)

(5) Steve G. Steinberg (“The most vicious battle on the Net today is a secret war between techies. At stake is nothing less than the organization of cyberspace” - http://www.wired.com/wired/archive/4.10/atm_pr.html )

(6) Tradução livre, do autor, da passagem do artigo: “It is a war between the Bellheads and the Netheads. In broad strokes, Bellheads are the original telephone people. They are the engineers and managers who grew up under the watchful eye of Ma Bell and who continue to abide by Bell System practices out of respect for Her legacy. They believe in solving problems with dependable hardware techniques and in rigorous quality control - ideals that form the basis of our robust phone system and that are incorporated in the ATM protocol.
Opposed to the Bellheads are the Netheads, the young Turks who connected the world's computers to form the Internet. These engineers see the telecom industry as one more relic that will be overturned by the march of digital computing. The Netheads believe in intelligent software rather than brute-force hardware, in flexible and adaptive routing instead of fixed traffic control. It is these ideals, after all, that have allowed the Internet to grow so quickly and that are incorporated into IP - the Internet Protocol”


Estrutura da Compreensão

Feitos os devidos esclarecimentos históricos quanto ao surgimento dos primeiros debates que levaram à Telefonia IP, é momento de organizar a apreciação em si de VoIP.

Para ela, particularmente para uma visão tributária do fenômeno, não se poderá abandonar, como regra de interpretação, a disciplina propugnada, inicialmente, pelo próprio CTN, em seu art. 110
(8), quanto a limites impostos à análise de fatos que tenham elementos de definição extraídos não da norma tributária em si mas de estruturas normativas vinculadas ao direito privado.

Como anunciado no início deste trabalho, o fato de a comercialização de VoIP, no Brasil, ter-se tornado, até agora, produto integrado a serviços do Provimento de Acesso à Internet-PSCI (ou, à atividade dos Provedores de Serviços de Conexão à Internet), e, sendo estes PSCI considerados, hoje, pela própria unificada jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça
(9) , prestadores privados de SVA - Serviços de Valor Adicionado, pois que não se sujeitam a qualquer delegação pública-estatal para atuação, tem-se que considerar, como ponto de partida, a atividade de VoIP como expressão de empreendimento privado.

Assim, não se poderá dar à aplicação tratamento tributário autônomo ou próprio, que se divorcie da definição que o fato possa obter à luz do direito privado.
Conhecê-lo equivalerá, para a aferição tributária, mandamento, imperioso, que já se fez, ao próprio desvendamento da atividade dos PSCI, à qual agora se integra VoIP, como produto agregado.


(8) ATM: asynchronous transfer mode

(9) “ Art. 110 - A LEI TRIBUTÁRIA NÃO PODE ALTERAR A DEFINIÇÃO, O CONTEÚDO E O ALCANCE DE INSTITUTOS, CONCEITOS E FORMAS DE DIREITO PRIVADO, UTILIZADOS, EXPRESSA OU IMPLICITAMENTE, PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PELAS CONSTITUIÇÕES DOS ESTADOS, OU PELAS LEIS ORGÂNICAS DO DISTRITO FEDERAL OU DOS MUNICÍPIOS, PARA DEFINIR OU LIMITAR COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS.”
Embargos de Divergência STJ 56.650-PR, Rel. MINISTRO FRANCIULLI NETTO – 11.05.2005


Relevância do Fato e a Jurisprudência

Se o propósito desta análise é então o exame dos limites tributários emprestáveis à atividade VoIP, o fato objeto dela não pode ser relegado a plano inferior.

Se o alvo da detecção da competência tributária e da exação possível em VoIP encontra seu estuário na correta delimitação da tipicidade, ou, na segura integração do fato à hipótese legal-genérica de incidência (aqui, do ICMS), não pode este mesmo fato apartar-se da interpretação, nem esta sobrepujar aquele.

Há de ser (o fato) compreendido, pena de não se poder tratá-lo frente ao rigor da tipicidade tributária.

Abordando a questão frente aos PSCI, já advertia, com este sentido, o Professor MARCO AURÉLIO GRECO – em seu “Internet e Direito”, Dialética, 2a. edição, pág. 120:

“...o primeiro critério a ser apontado é o que indica dever o tema ser enfrentado a partir do conhecimento específico quanto ao funcionamento da própria Internet sob o ângulo TÉCNICO....para poder enquadrar certa atividade ou serviço em determinada norma de competência tributária, que não se utiliza de conceito jurídico de direito privado, necessário é, primeiro, conhecer as características concretas do objeto por ele qualificado...”.

Não se deve perder de vista que, estando VoIP agregado à oferta de serviços de provimento de acesso, estes tiveram recente acertamento jurisprudencial-superior quanto à (não) sujeição ao ICMS.

Trata-se do aresto editado pelo E. Superior Tribunal de Justiça, contido nos Embargos de Divergência 56.650-PR, Relator MINISTRO FANCIULLI NETO, j. em 11.05.2005, no qual fixado o principio:

“..........SERVIÇO PRESTADO PELOS PROVEDORES DE ACESSO À INTERNET. .... NÃO-INCIDÊNCIA DE ICMS O SERVIÇO PRESTADO PELO PROVEDOR DE ACESSO À INTERNET NÃO SE CARACTERIZA COMO SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO, porque não necessita de autorização, permissão ou concessão da União, conforme determina o artigo 21, XI, da Constituição Federal”.

Esta era, aliás, a visão que sempre externaram HUGO DE BRITO MACHADO
(10) e CARRAZZA (11) .
Se assim o é, isto é, se a Corte incumbida da harmonização da jurisprudência infra-constitucional editou, com encerramento formal da divergência pontuada entre suas Turmas, princípio segundo o qual intangível, pelo ICMS, a prestação do serviço de acesso à Internet – que “...não se caracteriza como serviço de telecomunicação...”
(12)  – não se poderá re-editar argumento em contrário, ao menos na vigência do precedente majoritário do STJ. Este impede seja o PSCI tido como autor da prática de algo (comunicação) diverso ou mais amplo que telecomunicação. A Corte unificou, claramente, o conceito de serviços de “comunicação” e de “telecomunicações”, afastando, da exação estadual, o provimento do acesso à Internet, pela via de não considerá-lo “comunicação/telecomunicação” .
Partimos, por isso, nesta análise de VoIP, daquele exato pressuposto jurisprudencial e de sua concreta fundamentação: o de que o PSCI não constitui fato gerador do ICMS.
A partir dele, entramos no campo específico da indagação sobre VoIP e seu poder de mutação material das atividades do PSCI, de modo a impor alteração da fixada vertente jurisprudencial.
Questões surgem desta cogitação e podem ser resumidas nas indagações seguintes:
PSCI = VoIP (a atividade do primeiro equivalerá à do segundo)?
PSCI # VoIP (a atividade do provimento não equivalerá à de VoIP) ?
PSCI > VoIP (a atividade de um abrange a do outro) ?

Para busca de resposta sustentável, prosseguiremos na análise, subdividindo-a, agora, nos tópicos seguintes:


(10) " Serviço de comunicação. O conceito de comunicação é excessivamente amplo. Não é, porém, a comunicação que integra o âmbito de incidência do ICMS, mas o serviço de comunicação. Isto quer dizer que o fato relevante, o fato que pode ser colhido pelo legislador para definir a hipótese de incidência desse imposto, é o serviço de comunicação, e não a comunicação em si mesma. O fato de alguém comunicar-se com outrem não pode ser definido como gerador do dever de pagar o imposto." ("Aspectos Fundamentais do ICMS, Dialética, pág. 37").

(11) " A regra-matriz deste ICMS é, pois, prestar serviços de comunicações. Não é simplesmente realizar a comunicação.
.........................................
Note-se que o ICMS não incide sobre a comunicação propriamente dita, mas sobre a "relação comunicativa", isto é, a atividade de, em caráter negocial, alguém fornecer, a terceiro, condições materiais para que a comunicação ocorra.
Isto é feito mediante a instalação de microfones, caixas de som, telefones, radiotransmissores etc. Tudo, enfim, que faz parte da infra-estrutura mecânica, eletrônica e técnica necessárias à comunicação.
.........................................
Situação diversa ocorre quando pessoa (física ou jurídica) mantém em funcionamento o sistema de comunicações, consistente em terminais, centrais, linhas de transmissão, satélites, etc.
Agora, sim: há uma relação negocial entre o prestador e o usuário, que possibilita, a este último, a comunicação. É o quanto basta para que o ICMS incida. Mesmo que o usuário mantenha os equipamentos desligados." ("ICMS, edi.Malheiros, 4ª edição, págs. 115 e 116").

(12) Tivemos oportunidade de antecipar o assunto em trabalho publicado (“Tributação do Serviço de Provimento da Internet”) no “Direito Tributário das Telecomunicações”, ed. Thomsom/IOB, pág. 579, ocasião em que destacávamos a mudança de tratamento constitucional dos serviços “de comunicação” frente ao ICMS, ocorrida quando da instituição da imunidade tributária para impostos desses mesmos serviços, imunidade que passou a incidir não mais sobre “comunicações” e, sim, sobre “serviços de telecomunicações”.
Dizíamos sobre ela: “.....chama a atenção o fato de que a Constituição Federal, em seu art. 155, II, refere-se, como elemento determinante da incidência do ICMS, à prestação de serviços “de comunicação”. Esta, no entanto, a redação primitiva do Texto Constitucional – embora, neste primitivo referencial, estivesse ele inserido na letra “a”, do inciso “I”, do art. 155. Repare-se que a expressão, contada da origem (letra “a”, inciso I, art. 155) data de nada menos de 15 anos passados!
Diz-se “nada menos” porque, à evidência, este período, ainda que curto para vigência de textos normativos, sobretudo Textos Constitucionais, constitui, tranqüilamente, uma eternidade para os parâmetros que informam os ciclos evolutivos das tecnologias ligadas ao “mundo digital-virtual”.
Nestes 15 anos – de vigência do Texto da Constituição – um “mundo”, diríamos, se realizou, se criou, e, “outro”, se extinguiu, em termos tecnológicos.
O Constituinte originário, editor da redação primitiva que terminou se transformando na atual, do inciso II, do art. 155/CF, não reunia – principalmente ao se considerar que a data dos trabalhos constituintes precederam à da própria edição definitiva do Texto (outubro/1988) – qualquer possibilidade de conhecimento, àquela época, dos detalhes da dinâmica comunicativa, que hoje se dão a conhecer sob o conceito da rede mundial INTERNET.
Basta dizer, para não mais se alongar o presente exame, que, àquela época, isto é, exatamente em 1988, acabara de se formar a INTERNET mundial, com a integração de redes mundiais ao americano NSFNet – anteriormente citado. Podemos dizer, sem risco de infidelidades, que, no mesmo ano de “nascimento” de nossa Constituição (com o primitivo referencial a “serviços de comunicação”, adicionado ao anterior inciso I, letra “a”, do art. 155), “nascia”, para o mundo, o conceito, como hoje se conhece e pratica, de INTERNET, o que dá bem a conta do “gap” existente, na primitiva redação da Primeira, quanto aos conceitos da última.
Desta coincidência etária – 15 anos – se pode extrair que seguramente a INTERNET em nada contribuiu para a edição do Texto de 1988, razão pela qual a interferência Desta nas atividades daquela haverá de se submeter a um certo comedimento de análise.
Isto torna absolutamente iníquo o exame que se faça puramente tópico, da expressão “serviços de comunicação”, inserida na antiga primeira versão do Texto Maior, ou que dela se utilize para análise da “mens legislatoris” do Constituinte da época.
A melhor evidência desta defasagem se nota com o fato de que, em 1993, a Constituição Federal, neste particular, sofreu reforma – implementada por poder derivado – com a edição da Emenda Constitucional 3/93.
Esta EC 3/93 deu nova redação ao parágrafo terceiro exatamente do art. 155, isto é, tratou, neste ponto, de temática claramente condicional, ou, submetida, por inteiro, à disciplina do “caput” do mesmo dispositivo (do art. 155).
E, o que Ela, a EC 3/93, fez, neste exato ponto (do § 3o)? Introduziu – no âmbito justamente da norma constitucional tributária do ICMS – a imunidade tributária não de “serviços de comunicação”, mas de “operações relativas a serviços de telecomunicações”.
Parece-nos, aí, sinal claro, evidente, de que, passados cinco anos – outra pequena eternidade em termos tecnológicos – entre a edição do Texto Constitucional e a da EC 03/93, assenhoreou-se o Constituinte editor desta última dos detalhes do novo fenômeno (já então perfeitamente compreendido quanto a “operações de telecomunicações” e não mais quanto a “serviços de comunicação”, compreensão advinda do implemento, já àquela época, de um qüinqüênio de modernas atividades telecomunciativas) para dar-lhe, por redação nova de apenas um dos parágrafos do “caput” do dispositivo definidor da incidência, imunidade, ou intangibilidade, constitucional-tributária.
Tratando da incidência (sobre a atividade) definiu a EC 3/93, portanto, o âmbito da não-incidência (para a mesma atividade).
Não nos parece possível, por isso, diferenciar-se, à luz da própria Constituição Federal e quanto à incidência – ou não-incidência – do ICMS, “serviços de comunicação” (do “caput” do art. 155/CF) de “operações de telecomunicações” (do § 3O, do mesmo art. 155/CF).
Quer-nos parecer, “a contrario sensu”, que a extensão semântica dos termos “comunicação” e “telecomunicações”, que passaram, à partir da EC 03/93, a conviver sob mesma disciplina (a do “caput” do art. 155/CF) há de ser única em relação a efeitos tributários programados pelo mesmo dispositivo do art. 155, pena de se cogitar, diferenciadamente, de atividades geradoras de incidência e de imunidade, tratadas, ambas, sob mesma rubrica constitucional, e, ambas, claramente alinhadas em termos de identificação semântico-operacionais.Terá a CF – de 1988 – desejado incidência do ICMS sobre certa modalidade de “serviços de comunicação” em diferenciação com a modalidade – desejada pelo Constituinte de 1993 – definida por “operações relativas a telecomunicações”?
Uma, a primeira, antiga, seria diversa da outra, posterior, moderna, ambas inseridas, todavia, num mesmo dispositivo da Constituição e geradoras, cada uma, de opostas repercussões: a incidência e a imunidade? Não. Pensamos que “serviços de comunicação” (do “caput” do art. 155) e “operações relativas a telecomunicações” (do § 3o, do mesmo art. 155) constituem, rigorosamente, mesma atividade material, apenas sujeita, em certa medida, à incidência (do ICMS) e, noutra, à imunidade constitucional. Por esta razão jurídica, quer-nos parecer que a atividade do denominado “Provedor de Acesso” – à Internet – haverá de ser aferida, no nível infra-constitucional (no qual se encontrará a norma legal que o instituiu como tal), sempre como atividade integrada ao conceito que recebe origem constitucional superior, de “comunicação/telecomunicação”, ao qual, como se viu na análise técnica do fenômeno, limita-se a apenas agregar valor.”

[Próxima página]


FERNANDO NETO BOTELHO (fernandobotelho@terra.com.br):
 - é Magistrado de carreira do Estado de Minas Gerais e Desembargador do Tribunal de Justiça/MG, da 13a. Câmara Cível;
 - foi Juiz de Direito Titular da 4a. Vara de Feitos Tributários do Estado de Minas Gerais em Belo Horizonte;
 - possui MBA - Master Business of Administration em Gestão de Telecomunicações, pela FGV/Ohio University-USA (2001/2002);
 - foi Membro do Comitê de Defesa dos Usuários de Telecomunicações da ANATEL (mandato 2002/2003);
 - é autor do livro "As Telecomunicações e o FUST" (ed. Del Rey - 2001);
 - é Membro da ABDI - Associação Brasileira de Direito de Informática e Telecomunicações;
 - foi Diretor de TI da AMAGIS - Associação dos Magistrados de MG;
 - é autor de artigos, palestras, e trabalhos doutrinários sobre regulação de telecomunicações;
 - é Membro da Comissão de TI do TJM - Tribunal de Justiça de MG e Coordenador da Comissão do Processo Eletrônico do TRE-MG;
 - é co-autor dos Livros "Direito Tributário das Telecomunicações" (ed. Thomson IOB-ABETEL, 2.004) e "Direito das Telecomunicações e Tributação" (ed. Quartier Latin-ABETEL, 2.006).
 Uma webpage mantida pela ComUnidade WirelessBRASIL registra seus trabalhos e suas participações em Grupos de Debates.

WirelessBR                    Próxima